O que adianta dar mais dinheiro a um sistema de saúde corrupto, corrompido e ineficiente?
O único resultado disso será mais desperdício de dinheiro, mais roubos e mais corrupção. A mudança do cenário da saúde pública brasileira não passa apenas por mais financiamento e sim por uma total reformulação do sistema. No cenário atual, dar dinheiro é como botar gasolina em um carro sem rodas.
Há que haver um novo pacto nacional pela saúde que faça a população entender que o que foi prometido em 1988 e pela Oitava CNS (1986) é impossível de ser cumprido e que um sistema novo tem que ser criado a partir das seguintes premissas:
1) Não existe almoço grátis - Tudo o que é pago pelo SUS e que possa parecer de graça ao usuário veio de algum lugar e normalmente esse lugar é o próprio bolso do usuário, retirado através de impostos. Portanto há que se discutir desde o recolhimento desse imposto até a forma de aplicá-lo, gestão e destinação, discutir até onde pode-se oferecer tudo sem custo individualizado e como fazê-lo em caso de co-participação. É impossível termos 2.000 "Albert Einstein" no Brasil mas podemos ter um sistema de saúde eficaz com um custo por unidade muito menor que o de um "Einstein" ou mesmo de um hospital público atual.
2) Saúde não é lugar para luta de classes - Os conceitos de democracia plena, gestão participativa, equilíbrio de classes e redução de desigualdades, no campo da saúde, devem ficar apenas no local onde se definem as políticas públicas de saúde, ou seja, nas altas esferas do executivo e legislativo. A parte operacional e de gestão na saúde tem e devem ser feitas de forma profissional, com foco apenas na eficácia, eficiência e transparência, objetivando resultados definidos por metas trabalhadas por gente que entenda do assunto. Posto de saúde não é lugar de fazer luta de operário contra burguês, secretaria de saúde não é lugar de fazer distribuição de renda e serviço de vigilância e epidemiologia não deve ser escola formadora de luta política nem braço ideológico de nenhuma corrente.
3) Não existe saúde "multiprofissional" - Cada profissional de saúde tem uma formação específica e um papel específico no sistema. Quando se tenta misturar os papéis e colocar o cobrador de ônibus para dirigir, o mecânico para cobrar e o motorista para consertar motor, o resultado é um desastre. Atribuições diferentes não significa hierarquia ou que um seja melhor que o outro. A hierarquia advém da responsabilidade individual e coletiva que cada profissão tem sobre o usuário da saúde. Se o papel do médico é o diagnóstico, tratamento e dar alta ou constatar óbito. decerto esse profissional não pode ser comparado hierarquicamente a quem se dedica a reabilitação, prevenção ou cuidados associados. Isso não quer dizer que o médico seja "melhor" que o fisioterapeuta, mas o médico tem mais responsabilidades que os outros, e por isso, "apenas" por isso, é que ao médico cabe o papel de protagonista. Ao se tentar misturar tudo como "multiprofissional" e colocar psicólogo para dar diagnóstico, enfermeiro para tratar e fonoaudiólogo para dar alta, o resultado é a catástrofe que vemos no SUS diariamente.
4) O serviço é proporcional ao salário pago ao trabalhador - Quem paga R$ 2,00 por um sanduíche receberá um sanduíche de R$ 2,00. Quem paga R$ 400 receberá um sanduíche de R$ 400. A regra é simples e já definida por Sir Isaac Newton em 1687: "Lex II: Mutationem motis proportionalem esse vi motrici impressae, etfieri secundum lineam rectam qua vis illa imprimitur."
Não adianta um hospital de ponta com profissionais sendo pago a salários vis. Uma grande "coincidência" nos chamados "hospitais de primeira linha" e citados como exemplo de bons centros de medicina é que todos os profissionais são muito bem remunerados e a remuneração sobe conforme sua eficiência no serviço.. Exigir "altruísmo" de quem tem filho e contas para pagar no fim do mês é como exigir que o Sol fique frio.
5) Saúde é caro demais para ficar a cargo de prefeituras - O SUS errou feio com a municipalização da saúde e a gestão plena aos municípios: Doença e saúde são entidades caras, que atravessam fronteiras e exigem planejamento e dinheiro que nenhum município brasileiro consegue dar conta sozinho. Que adianta pagar as contas do posto e do hospital se o prefeito não tem dinheiro para contratar médicos e enfermeiros? 98,5% dos municípios brasileiros dependem do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e do INSS para girar suas economias e pagar sua máquina pública. Isso quer dizer que, de cara, o SUS já não tem chance de funcionar em 98.5% dos municípios brasileiros. Os outros 1.5% de municípios auto-sustentáveis carregam o peso desses 98,5% de "irmãos pobres" em suas salas de emergência. Ou seja, é feito pra não funcionar. Além disso, como vigiar 5.800 gestores de saúde e termos 5.800 sistemas próprios de saúde no Brasil? Como comunicar e interligar tudo isso? A gestão da saúde deve ser federalizada, com uma Logística e TI federalizadas, prontuário único nacional e no máximo compartilhar a gestão de RH e equipamentos com Estados e livrar os municípios desse fardo.
Reestruturado o sistema, poderemos fazer a conta do custo e discutir o quanto se botar na saúde. O resto é perder tempo.