Com 4 anos de espera, o INSS lançou as "Diretrizes de Apoio á Decisão Médico-Pericial - Doenças Infecciosas", focado em 3 grandes grupos: HIV, Tuberculose e Hanseníase.
É grande a decepção com o resultado de tanta espera. Em termos gerais, o documento está pelo menos 10 anos atrasados em relação ao "etat de l'art" atual em relação ao HIV/AIDS. Gasta mais de 30 páginas com definições e aulinhas básicas sobre a doença que são absolutamente inúteis para a perícia médica em si, lembrando que os peritos são médicos e ficar detalhando os pormenores da imunofisiopatologia do vírus e do diagnóstico sindrômico, ou falar dos efeitos adversos de drogas já retiradas do mercado, soam mais como encheção de linguiça que informação útil ao perito.
Pior, são informações velhas, sem utilidade numa era onde basta a pessoa estar infectada para se definir o ínicio da síndrome e se propor tratamento.
Quando chega de fato naquilo que poderia ser uma orientação ao perito sobre incapacidade em HIV, comete uma série de barbaridades ao vincular a incapacidade com taxas de CD4, como se meramente ter uma taxa de CD4 de 200 ou 300 fosse relevante para definição de incapacidade, orienta prazos muito curtos de benefícios aos de fato adoentados pelo vírus, o que pode estimular inúmeras reentradas do periciando junto ao INSS e abusa do preconceito e do limite legal do texto ao definir, sem embasamento científico ou legal, que só os doentes com os critérios de AIDS do CDC/Caracas (de 20 anos atrás) é que teriam direito à isenção de carência, EXCLUÍNDO DA ISENÇÃO OS PORTADORES ASSINTOMÁTICOS DO HIV.
Essa informação não procede. A doença se chama AIDS, que se inicia quando a pessoa é infectada pelo vírus e existe uma bem detalhada e documentada linha do tempo da doença, sua história natural, desde a infecção até o desfecho final, com todas as intercorrências e prazos entre a infecção e o início de sinais e sintomas. Todo esse período faz parte da mesma síndrome (AIDS) e o mero fato da pessoa não estar sintomática ou ainda com CD4 elevado NÃO A EXCLUI, sob nenhuma hipótese, da condição de portadora da síndrome.
O tratamento antiretroviral, instituído a partir de 1995 INTERROMPE essa cadeia natural de eventos e permite ao soropositivo uma RECUPERAÇÃO em sua imunidade e uma eficaz e permanente supressão da carga viral, EVITANDO que o paciente evolua com os sinais e sintomas típicos da imunodepressão.
A diferenciação que se fazia entre "portador assintomático - CID Z21" e "AIDS - B20 e correlatos" era muito mais para a prática clínica e epidemiológica, para a definição de uso de antibióticos profiláticos e início do tratamento antiretroviral, do que embasado cientificamente. Não existe "duas doenças" (HIV e AIDS). Existe uma só: a AIDS, causada pelo HIV.
Com o avanço do conhecimento da doença, dos males que ele causa estando com viremia positiva mesmo sem sintomas, evoluiu-se no tratamento e hoje em dia quem é portador JÁ TEM indicação de tratamento, independente dos critérios de Caracas e do CDC.
Por isso, não faz mais sentido diferenciar portador de HIV e AIDS. Trata-se da mesma doença, em fases distintas. O tratamento instituído independente do CD4 inclusive vem botando em xeque a necessidade de se manter dosagens seriadas de CD4 do paciente. O próprio Ministério da Saúde discute a mudança desse exame apenas para casos mais restritos.
Ora, se o próprio Ministério da Saúde, com atraso, admite tratar independente do CD4 e até questiona a utilidade desse exame daqui para frente, como que o INSS vincula a concessão de benefícios baseado nos índices de CD4 e, pior, de forma INFAME, afirma que apenas os portadores sintomáticos (segundo os critérios de 20 anos atrás do CDC e Caracas) terão direito à isenção de carência?
O documento está errado. TODO PACIENTE PORTADOR do HIV, independente de estar sintomático ou não, independente de sua taxa de CD4, TEM DIREITO LEGAL À ISENÇÃO DE CARÊNCIA, SE A DID FOR APÓS A SUA FILIAÇÃO AO INSS.
A parte de tuberculose também enrola em tabelas e explicações sobre esquemas de resgate e pormenores da doença que são absolutamente inúteis ao perito médico e também "propõe" prazos muito curtos e discrimina o portador bacilífero assintomático de tuberculose.
Enquanto esse paciente não deixar de ser bacilífero, nenhuma empresa o deixará trabalhar. Por outro lado, apesar da média de 15 dias necessários para a eliminação dos bacilos da via aérea, esse prazo pode demorar até 2 meses antes de se considerar falha de tratamento. Portanto, orientar NEGATIVA DE CONCESSÃO para o paciente bacilífero em início de tratamento é um erro absurdo. A incapacidade aqui, além de se justificar pela condição clínica, adaptação ás drogas, etc, se justifica por retirar de aglomerações fechadas (ambiente de trabalho) um paciente bacilífero até que ele deixe de ser infectante.
O documento está errado também. Pacientes bacilíferos para tuberculose DEVEM SER AFASTADOS, independente da clínica, para adaptação às drogas e eliminação dos bacilos da via aérea, até exame provando negativação ou no máximo prazo de dois meses quando >99% dos portadores terão eliminado os bacilos. A presença de tratamento sem mudanças após dois meses indica sucesso terapêutico e não justifica maior prazo de afastamento, exceto se houver clínica/efeitos adversos presentes.
A parte de hanseníase segue o mesmo padrão atrasado, restritivo e cheio de informações não-necessárias para um documento que não se propõe a ser um tratado de infectologia e sim uma mera diretriz de apoio à decisão médico-pericial em doenças infecciosas.
Como no fim de todo porão tem um poço, o documento mostra que seu autor, pelo visto, desconhece até mesmo a função de um perito médico do INSS, pois delibera sobre "isenção de imposto de renda" para cada doença abordada. NÃO É FUNÇÃO DO PERITO MÉDICO DO INSS FAZER ANÁLISE DE ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA PARA A SRF/MF. Tanto que esse "serviço" sequer consta nos sistemas oficiais do INSS.
Já cansamos de dizer isso aos colegas: Não é atribuição do INSS fazer análise dessas situações, que por lei cabem a um serviço médico oficial do SUS, e não somos sequer um serviço médico "propriamente dito" dentro do INSS, pois só fazemos análise médica de incapacidade laborativa dentro de um processo administrativo de benefício por incapacidade ofertado pelo INSS aos segurados, vide:
http://www.perito.med.br/2012/09/enunciado-peritomed-022012.html
Gestar por 4 anos um projeto desses para soltar esse calhamaço de informações atrasadas, ou inúteis, ou ambos, ainda por cima restritora de direitos, é demais. É inaceitável. As diretrizes desorientam, mais que o contrário, e se seguidas terão o poder de multiplicar o litígio de segurados contra o INSS.