PARECER DO SINDICATO NACIONAL DOS PERITOS MÉDICOS DO INSS SOBRE O INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO DE FUNCIONALIDADE BRASILEIRO ADOTADO PELO INSS PARA ANÁLISE DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA - LC 142/13
Fundamentação legal:
1) Preliminares
A aposentadoria especial de pessoas com deficiência está sediada na Constituição da República, Art. 201, § 1º, regulamentada pela Lei Complementar 142/2013 e Decreto 8.145/13.
A definição de pessoa com deficiência adotada para fins destas leis está contida no Artigo 1 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência da ONU, acolhida pelo Estado Brasileiro como Emenda Constitucional conforme o Decreto Legislativo 186/2008, promulgada pela Presidência da República por meio do Decreto 6949/2009, ratificada pela LC 142/13.
A definição de pessoa com deficiência independe de sua condição financeira ou status social. Estamos aqui falando de deficiência física e mental, não de insuficiência sócio-econômica. Essa condição social pode ser útil para análises de outras formas de acolhimento ou incentivo estatal, mas não servirá para qualificar ou desqualificar determinada barreira física ou mental que o ser avaliado possua na análise estritamente física e funcional da deficiência. Ninguém deixa de ser "deficiente" por ser rico. Facilidades proporcionadas por uma boa condição sócio-econômica não podem servir para subestimar o grau de deficiência funcional e física de um cidadão.
2) Da Condição de Deficiência
A Convenção define a deficiência, para efeito das normas protetivas dos Direitos das pessoas com deficiência, como sendo um atributo de determinada pessoa, a qual, ao interagir com as barreiras estruturais, urbanísticas, atitudinais, à comunicação, além de outras seja impedida ou tenha dificuldade de desfrutar de tudo o que houver na sociedade, em todo e qualquer espaço ou ambiente, em igualdade de oportunidade com as demais pessoas.
Portanto temos aqui que a deficiência deve ser medida sob dois aspectos: O primeiro é aquele que diz respeito à limitação física, orgânica, anatômica ou cognitiva. Sob este prisma, a deficiência deve ser diagnosticada a partir de um conjunto de sinais e sintomas enquadradas sob um diagnóstico nosológico, complementado ou não por exames acessórios, sendo o médico o profissional apto a determinar a deficiência e sua gravidade.
O segundo aspecto é o da funcionalidade do corpo humano, ou seja, aquele em que se analisa se uma pessoa com diagnóstico de determinada limitação anatômica ou orgânica, ao interagir com as barreiras existentes nos espaços públicos ou privados, nos espaços urbanísticos de qualquer natureza, nos passeios e travessias públicas e privadas, nos transportes coletivos e individuais de qualquer natureza, nos prédios, nos equipamentos de lazer e trabalho em geral, nos aparelhos, meios, sistemas e dispositivos de comunicação, nos ambientes domésticos, escolares, do trabalho e outros, possam ter dificuldades ou impedimentos de qualquer tipo, de desfrutar de tudo o que houver na sociedade em igualdade de oportunidade com as demais pessoas, sendo nesse caso a necessidade da presença não só de médicos, como de outros profissionais da área da saúde, em especial terapeutas ocupacionais, além de engenheiros, arquitetos e outras áreas afins.
Qualquer coisa que fugir destes parâmetros são ilegais ou inconstitucionais, além de se afastarem da lógica e de qualquer critério de justiça e de equidade, que são previstas na Convenção.
3) Da empregabilidade do deficiente e do objetivo de sua aposentadoria especial
Por um lado, é grande a chance de uma pessoa deficiente não estar apta ao trabalho, parcial ou completa, temporária ou permanente. Nesses casos existem já benefícios concedidos pelo Estado para o amparo dessa pessoa. Obviamente, o grau de benefício poderá variar de acordo com o status sócio-econômico do deficiente.
Por outro lado, todas as pessoas com deficiência que conseguirem ingressar no mercado de trabalho, sem qualquer dúvida, são pessoas reabilitadas, ou seja, pessoas com deficiência dotadas do devido treinamento para desenvolverem várias habilidades e capazes de, em algum grau, suprir aos cuidados corporais e as demais habilidades da vida diária, como fazer comida, limpar a casa, lavar os pratos, fazer compras, contratar serviços, ter vida conjugal normal, gerar e cuidar da prole etc, além de ter domínio da execução das tarefas a serem desempenhadas no trabalho. Se uma pessoa com deficiência não detiver estes atributos, por certo, não terá as devidas condições para ingressar no mercado de trabalho e, em via de conseqüência, nunca poderá requerer aposentadoria por tempo de trabalho, por absoluta falta de objeto.
Portanto, a pessoa alvo da Lei Complementar 142/13 não é o deficiente incapaz, sem condição de prover a sua subsistência por si próprio por quaisquer meios, ou que era capaz e ficou incapaz. A pessoa alvo da LC 142/13 são deficientes com diversos graus de independência social e que estão inseridas no mercado de trabalho, dentro de suas limitações.
Logo, um instrumento de avaliação para fins de aposentadoria especial de deficientes deve, ou deveria, focar neste cidadão apto e laborativo, jamais no incapaz. Como toda aposentadoria especial, pressupõe trabalho contínuo por anos, cuja aceleração da aposentadoria visa minorar efeitos maléficos da insalubridade do labor (especial clássica) ou efeitos maléficos do labor na condição de deficiente (especial de deficiente).
4) Do instrumento proposto pelo INSS
O INSS baseia a avaliação pericial do benefício contido na LC 142/13 em dois eixos: avaliação médica e avaliação funcional, ao qual designa a atuação do corpo de assistentes sociais do INSS e determina a utilização de um índice, o Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria - IFBrA.
Este instrumento de funcionalidade brasileiro ainda não possui validação técnica ou científica, mas foi regulamentado por uma Portaria Interministerial (norma infralegal), a Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP Nº 1 DE 27/01/2014.
O IFBrA que, repito, ainda está sob processo de validação, está fulcrado na CIF, a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, da OMS (
clique aqui).
O INSS inovou ao chamar de "social" a avaliação "funcional" prevista em Lei específica.
5) Sobre o IFBrA
Usar a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde como mola mestra do IFBrA é inadequado pois a CIF não se presta para este tipo de avaliação, simplesmente porque ela não tem um capítulo específico tratando da pessoa com deficiência que já estão inseridas no mercado de trabalho e nem poderia ter, porque ela é um documento que tem por objetivo, justamente, mostrar as falhas de funcionalidade orgânicas e anatômicas ao interagirem com as diversas barreiras, com a finalidade de que os profissionais especialistas possam adotar as medidas necessárias para que estas limitações sejam minoradas ou totalmente superadas, quando for possível.
Se a pessoa com deficiência está no mercado de trabalho, sem dúvida, é porque já superou várias das etapas funcionais previstas na CIF. Consequentemente, se o instrumento de funcionalidade brasileiro está inteiramente baseado na CIF, por óbvio, não se presta para mensurar com justiça e equidade, as diferentes graduações de deficiência, para efeitos de concessão de aposentadoria especial por tempo de contribuição
Não obstante isto, o instrumento de funcionalidade brasileiro validado pela Portaria Interministerial apresenta várias falhas metodológicas, as quais, sem a menor dúvida, ferem a dignidade da pessoa humana com deficiência e, por certo, se permanecerem, irão causar negativas indevidas de direitos e danos morais, expondo o INSS a uma tempestade de ações judiciais reparadoras tanto da negativa do benefício como indenizatórias pelo dano moral. O IFBrA é uma fonte de significativa injustiça e falta de equidade.
Em um mundo ideal, os técnicos do governo deveriam ter feito primeiro uma pesquisa de campo com amostra estatística, para se familiarizarem dos conceitos próprios dos trabalhadores com deficiência sujeitos ao Regime Geral da Previdência Social. Assim sendo, eles conheceriam os conceitos de pessoas com deficiência, primeiramente à luz do diagnóstico exclusivamente médico, considerando apenas a CID-10, para depois passarem a análise das barreiras existentes, bem como, quais tipos de deficiências encontram dificuldades ao interagirem com estas ou aquelas.
Sem a demonstração de como está estruturada no Brasil o trabalho do deficiente, qualquer metodologia proposta vira chute de teórico de academia desconectado da realidade social ao qual deveria estar ciente e inserido. Não á toa, a inadequação da metodologia adotada no instrumento, baseada meramente na CIF , o nos leva a concluir que, para o governo, todas as pessoas com deficiência, sem qualquer exceção, são deficientes físicos e/ou cognitivas e devem/deveriam ser aposentadas por invalidez, porque, como ao ingressarem no mercado de trabalho não tinham tais deficiências, haja vista que se as tivessem não seriam admitidas, só se pode concluir é que as deficiências diagnosticadas foram contraídas durante o pacto laborativo.
Isso para mim só tem uma explicação: A total falta de metodologia na construção do modelo. A título de exemplo, vamos ver algumas perguntas formuladas no instrumento:
3.1 Mudar e manter a posição do corpo
3.2 Alcançar, transportar e mover objetos
3.3 Movimentos finos da mão
3.4 Deslocar-se dentro de casa
3.5 Deslocar-se dentro de edifícios que não a própria casa
3.6 Deslocar-se fora de sua casa e de outros edifícios
Diante de tais perguntas, como já foi preparado acima, algumas conclusões são inexoráveis. A pessoa com deficiência que respondê-las negativamente, nunca ingressará no mercado de trabalho e nunca se aposentará, pelo menos por tempo de contribuição, que é o objeto desta lei.
Aliás, a pessoa com deficiência que responder tais perguntas negativamente, sequer o fará diretamente, mas por meio de seu representante legal, eis que não terá o desenvolvimento cognitivo necessário para compreender tais questionamentos, logo não o terá também para responder.
Por outro lado, estas perguntas não se aplicam às pessoas com deficiência mental leve, visual, auditiva e física, porque estas pessoas, como dito acima, só estarão no trabalho, se tiverem o devido discernimento das coisas da vida e do mundo e dominarem bem as habilidades comuns da vida diária e o talento para desempenhar as atribuições inerentes ao seu ofício. Sendo assim, por qualquer ótica, perguntas desta estirpe não têm cabimento, quando se estiver cogitando de aposentadoria especial por tempo de serviço.
Não há nexo entre o tipo de pergunta e o tipo de avaliação ao qual ele se presta. Vejamos esta pergunta símbolo da total distócia entre o objetivo da lei e o instrumento regulamentado:
6.3 Trabalho remunerado
Aqui evidencia-se a total falta de critério do Instrumento de avaliação. É justamente a pessoa que trabalha remunerada que irá, em algum momento, pleitear uma aposentadoria especial por deficiência.
Se a pessoa NÂO TRABALHA REMUNERADA, ela JAMAIS irá solicitar tal benefício. A pergunta é descabida, imprópria, absurda e somente beócios ineptos podem achar que faz algum sentido este tipo de pergunta, cuja resposta encontra-se no próprio CNIS do cidadão, previamente levantado pelo administrativo.
6) Sobre a "perícia social".
A LC 142/13 e o decreto 8.145/13 determinam claramente que a avaliação para fins de aposentadoria será fruto de perícia própria do INSS e através de avaliação médica e funcional.
A única perícia própria do INSS é a perícia médica. O corpo de assistentes sociais do INSS não se constitui, sob nenhuma ótica, em corpo de peritos. A atuação do Analista do Seguro Social - formação em Serviço Social, é regida pelo artigo 88 da Lei 8.143/91, que assim reza:
Art. 88. Compete ao Serviço Social esclarecer junto aos beneficiários
seus direitos sociais e os meios de exercê-los e estabelecer conjuntamente
com eles o processo de solução dos problemas que emergirem da sua
relação com a Previdência Social, tanto no âmbito interno da instituição
como na dinâmica da sociedade.
O art.20 da Lei 8742/93 (LOAS) também dá ao Serviço Social do INSS a atribuição de fazer a avaliação social de um benefício específico: O BPC LOAS.
Não há um único texto legal que permita aos assistentes sociais do INSS realizar "perícia médica", "perícia funcional" ou mesmo "perícia social" dentro do INSS, fora do contexto do BPC LOAS. Não há um único texto legal que diga que o deficiente tenha que se submeter a perícia social para obter seu benefício.
A tentativa do INSS de, através de portarias, documento legal que não tem o poder de inovar na estrutura legal das profissões públicas ou de alterar leis, é claramente ilegal, inconstitucional e uma afronta ao direito constituído nesse país.
Nesses termos, o parágrafo segundo do artigo dois da Portaria Interministerial 01 supracitada, que reza que: "§ 2º A avaliação médica e funcional, disposta no caput, será realizada pela perícia própria do INSS, a qual engloba a pericia médica e o serviço social, integrantes do seu quadro de servidores públicos." é DUPLAMENTE ILEGAL. Ilegal pois a Lc 142/13 não prevê avaliação social e ilegal pois assistente social não tem regulamentação para fazer perícias fora do LOAS.
A ilegalidade se multiplica quando ao analisar o instrumento de avaliação, vemos que as assistentes sociais serão instadas a ter que avaliar questões que dizem respeito ao exame físico, cognitivo e cinesio-funcional do cidadão, ao qual não possuem previsão legal segundo sua Lei de Carreira.
7) Discussão
A ausência de metodologia, o uso da CIF como única matriz de desenvolvimento do modelo, a inovação legal em colocar serviço social para fazer avaliação física e mental, todas essas características deixam claro que o INSS está se utilizando de uma oportunidade de regulamentar um novo benefício para implementar, na força bruta, ideologias pessoais de um grupo ligado ao pensamento sanitarista clássico de multiplicação dos atores e diminuição do espaço de atuação médica, trazendo para a área da saúde a luta de classes que marcou os dois últimos séculos, colocando a medicina e os médicos como detentores de um biopoder a ser combatido.
O problema é que se utilizar de um mecanismo legal de regulação de direitos para brincar de luta de classe e fazer discurso sectário anti-médico se traduz em uma deturpação completa do objetivo da lei, o que irá inviabilizar a aplicação da mesma, por estar contaminada de ranço ideológico que se sobrepõe á necessária ciência para poder julgar com razão e isenção todos os casos de solicitação de aposentadoria especial por deficiência.
O instrumento é burro e nulo, o uso da avaliação social é ilegal e colocará em risco profissional todos os assistentes sociais do INSS. O INSS, por mera ideologia sectária, quer transformar avaliação funcional em social, misturando conceitos. Uma coisa é aposentadoria especial, aposentar em menos tempo. Outra coisa é oferecer facilidades, bolsas e estímulos sociais a quem é mais exposto socio-economicamente..
Além disso, o modelo obrigará o assistente social a fazer tarefa de médico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, nutricionista, engenheiro, desviando a função profissional desses importantes colegas. Na prática, diversos deficientes com barreiras funcionais deixarão de ser avaliados em prol de pessoas com problemas sociais, deturpando a função do instrumento.
Não podemos dizer que uma pessoa é mais deficiente que outra apenas pela questão monetária ou social. A deficiência é igual e ambos merecem o mesmo tempo de aposentadoria, pois ambas trabalham e estão expostas à insalubridade secundária à deficiência.
O INSS vai punir o deficiente que tenha uma família mais estruturada com MAIS TEMPO de trabalho em prol de uma outra pessoa com a mesma ou até menor deficiência mas que é mais pobre. O INSS está, por um misto de ideologia e falta de idéias, querendo transformar a aposentadoria do deficiente em um grande LOAS.
Quando se for aferir se uma pessoa tem uma deficiência merecedora de um tratamento especial, no momento da concessão da aposentadoria por tempo de serviço, devem ser apenas aquelas que podem dificultar ou impedir, que quando esta pessoa, ao interagir com as barreiras típicas do trabalho, tenha dificuldade de superá-las com autonomia e segurança ou, simplesmente, precise buscar um atalho para continuar seu destino.
8) Conclusões
O modelo proposto pelo INSS para a avaliação de aposentadoria especial para deficientes é: a) ilegal, por colocar profissionais do serviço social para fazerem avaliações médicas e cinesiofuncionais; é b) restritiva de direito pois foi concebida sob uma matriz construída para avaliar incapacidade e não capacidade laborativa, logo por definição quem está trabalhando, justamente os aptos a requererem o benefício, dificilmente conseguirão enquadramento grave independente do grau de deficiência; e é c) inválida cientificamente, pois não foi construída mediante uma metodologia previamente estruturada e não foi submetida à validação.
Desta forma, considerando que o instrumento estabelece que as pessoas com deficiência que obtiverem pontuação superior a 6.335 pontos serão consideradas apenas "deficiência leve" ou sequer serão consideradas merecedoras de aposentadoria especial se acima de 7.584 pontos, por não serem consideradas deficientes, fica claro, na prática, que o instrumento em foco tem a finalidade única de criar um meio legalista de fazer com que as pessoas com deficiência tenham negado seu direito à aposentadoria especial ou tenham enorme dificuldade em obter deficiência grave, uma vez que a quantidade de pontos perdidos necessários para chegar a tal graduação praticamente impede a pessoa de exercer qualquer trabalho.
Portanto, ao ser aplicado indiscriminadamente, essa estultice de modelo vai, oficialmente, criar no Brasil apenas duas categorias de deficientes: os inválidos, que jamais poderão pedir aposentadoria especial pois não trabalham, e os deficientes leves. Os deficientes moderados e graves trabalhando serão tão raros quanto o eclipse lunar.
O Sindicato Nacional dos Servidores Federais Peritos Médicos Previdenciários defende o abandono do modelo IFBrA atual e o recomeço, urgente, da construção de um modelo mais justo, humano e que julgue com ciência e isenção a real gravidade da deficiência do trabalhador investigado.