Por Eduardo Henrique Almeida
Ressurge no INSS de Belo Horizonte a velha discussão sobre incapacidade laboral. Embora seja o cerne de toda atividade médico-pericial, a matéria é difícil e, mesmo para os mais experientes peritos, suscita dúvidas e debates. A grande questão do perito previdenciário é (e sempre será) responder se há ou não há incapacidade.
Podemos enumerar algumas razões para tal dúvida. A primeira é que a incapacidade a ser amparada pelo INSS, deve ser decorrente de DOENÇA. Não havendo doença, mas risco de, não pode haver auxílio-doença. Esta delimitação preliminar pode resolver muitos problemas futuros, e precisa ser feita de início, em cada perícia. Muitas vezes a incapacidade é por falta de formação ou falta de vocação para a atividade exercida; outras vezes é por incompatibilidade com algum colega ou com o chefe. Cabe ao perito verificar se há uma doença que causa a incapacidade, única possibilidade de amparo por auxílio-doença.
Outro ponto mal resolvido é a distinção entre incapacidade total e parcial. Entendemos que incapacidade total é aquela que inviabiliza o exercício da atividade habitual com a produtividade minimamente aceitável para a função. Incapacidade parcial seria aquela que limita a performance, mas não impede o trabalho produtivo. Neste entendimento, a incapacidade parcial por doença não pode ser amparada em auxílio-doença. Vejamos o que diz o INSS em normas infra-legais:
A incapacidade laborativa foi conceituada POR UMA diretoria do INSS como "a impossibilidade do desempenho das funções específicas de uma atividade (ou ocupação), em consequência de alterações morfopsicofisiológicas provocadas por doença ou acidente. O risco de vida para si ou para terceiros, ou de agravamento, que a permanência em atividade possa acarretar está implicitamente incluído no conceito de incapacidade, desde que palpável e indiscutível".
Se o texto fosse mais rigoroso com os conceitos da Ergonomia, deveria ser: "a impossibilidade do desempenho das tarefas ou atividades específicas de uma profissão (ou ocupação), em consequência de alterações morfopsicofisiológicas provocadas por doença ou acidente." Dois pontos merecem atenção neste enunciado: ao se referir a impossibilidade, o conceito exclui a incapacidade parcial e deixa claro que a incapacidade, neste nosso escopo, é aquela decorrente de agravos à saúde.
Na última frase, entretanto, a diretoria do INSS excede o texto da Lei previdenciária e faz incursão no terreno da gestão dos riscos ocupacionais. O risco de agravamento após recuperação da capacidade e retorno ao trabalho deve ser administrado pela própria empresa empregadora, que é quem aufere lucro com a exposição dos trabalhadores a riscos. Para isto a empresa conta com Medicina do Trabalho e Engenharia de Segurança. Considero temerário envolver a gestão de riscos futuros no conceito de incapacidade presente.
Para ilustrar o tema, podemos imaginar o caso de um trabalhador hipotético em uma empresa de manutenção predial. Sua função é trocar lâmpadas fluorescentes. Para isto usa escadas de armar feitas de alumínio. A empresa compra um grande lote de escadas defeituosas, beneficiada com um belo desconto no preço. Estas escadas são instáveis e o nosso trabalhador cai de uma delas e quebra a perna. É amparado pelo INSS em auxílio-doença, recuperando-se completamente. Ao retornar ao trabalho, o médico da empresa recusa-se a aceitá-lo sob alegação de que não pode expor o trabalhador a refratura, o que seria de grande gravidade. O que fazer? Manter em B31 pelo risco de agravamento? Encaminhar para reabilitação profissional? Deixar para a empresa gerenciar os riscos que o seu trabalho gera? Denunciar ao Ministério do trabalho ou Ministério público do trabalho?
Deixemos o exemplo nas nuvens e recuemos um passo para observarmos de forma ampla o cenário da proteção à saúde do trabalhador onde há diversos atores sociais envolvidos até o pescoço: a Empresa que contrata, gera e expõe ao risco, o Sindicato que pode incluir medidas de segurança nos seus acordos coletivos, o SUS que trata e que pode fechar postos de trabalho adoecedores, o Ministério público com seu poder de pressão, o Ministério do Trabalho, que existe PARA isso. No fim da linha e após o trabalhador ter perdido temporaria ou definitivamente a capacidade de trabalho, entra o INSS para reparar o dano. Desta rede de amparo e cuidado o INSS é, disparado, o que melhor funciona. Pensem com calma e concordarão comigo. Com todas suas deficiências e sempre sofrendo uma quase sabotagem, o INSS dá conta de sua missão, qual seja, amparar o trabalhador impedido de auferir renda através do próprio trabalho. Como ninguém malha em ferro frio, é no INSS, onde a chapa está sempre quente, que as queixas, acusações, sentenças recaem. Uma consequência é sempre se propor ao INSS assumir funções de outros. Prevenção de doenças, por exemplo, não faz parte de suas atribuições legais, embora interesse ao negócio. Isto é função primária do Ministério do trabalho que tem auditores muito bem remunerados para prevenir doenças e acidentes, autuar empresas infratoras das normas de segurança, além da Dra Maria Maeno para orientar os trabalhos. E digo mais, o INSS PAGA a conta da ineficiência dos órgão citados. Por exemplo, a Boite Kiss não foi fiscalizada corretamente e a tragédia que recaiu sobre as famílias se estende ao INSS que paga benefícios a vítimas. Mais da metade das prorrogações de auxílio-doença são por ineficiência do tratamento a cargo do SUS. O INSS paga esta conta altíssima também. Não cabe ao INSS ter, como tem, uma diretoria de Saúde do Trabalhador nem uma equipe multidisciplinar de saúde, pois o nosso papel começa com a doença e a incapacidade decorrente. Por mais bacaninha e necessário que seja o discurso sanitarista pela saúde preventiva, não é o INSS que a porá em pática, esqueçam! Ao tentar avançar sobre searas alheias enfraquecemos nosso foco em nossas atribuições, que não são poucas nem fáceis.
Voltando ao nosso exemplo, a última opção para o INSS seria reabilitar o cidadão quando é a empresa que precisa ser reabilitada. Não cabe reabilitar alguém que está apto à sua função como forma de prevenir doenças que podem (ou não) acontecer. Não existe, por razões ontológicas, reabilitação preventiva. Cabe ao médico do trabalho da empresa de manutenção predial argumentar para a troca das escadas doentes. Mas isso é outra história, a medicina do trabalho e sua relação com os empregadores.
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Eduardo Henrique Rodrigues de Almeida
Tem duas verdades:
ResponderExcluir1 o trabalhador brasileiro é cansado, pouco produtivo e gosta de oportunidades, de se encostar para poder fazer seu bico tranquilo! País está se tornando importador forte, estilo países da América central, que não produzem nada, só importam!
2 a lei nao é cumprida! Contratações fraudulentas, não é cumprido o PCMSO, o MTE não fiscaliza nada, o INSS não faz o que deveria engessando o Perito, enfim, uma verdadeira zona!
Qual o futuro de um País assim?
Ontem o Arnaldo Jabor na CBN disse que a corrupção no País está tão avacalhada e generalizada que ate ela está se corrompendo...
Ah, não pode trabalhar pois corre o risco de fratura, eu também nao posso sair de casa pra trabalhar pois posso ser assaltado e desenvolver um Estresse pôs-traumático! É a cara de pau fica onde?
A verdade é que as Instituições publicas estão falidas, não cumprem a Lei, tem gestão capenga e o trabalhador brasileiro é esperto e quer uma boquinha também!
Excelente reflexão feita por quem entende, tem muita experiência e sabe se expressar na matéria.
ResponderExcluirMas, gostaria de saber a sua opinião, Dr. Eduardo, sobre a inclusão do fator risco de agravamento no conceito de incapacidade quando se tratam de segurados especiais, nas situações onde não há Medicina do Trabalho e Engenharia de Segurança da empresa a administrar os riscos de agravamento da doença causados pelo trabalho ?
Neste cas, ao seu ver, poderia ser considerado pertinente a "extensão" do conceito de incxapacidade ?
Rodrigo, vc tem razão. Não há verdades absolutas nesse julgamento de valor que temos que fazer. Há muitas zonas cinzentas.
ExcluirExcelentes considerações. Não haverá novo modelo de perícias médicas ( conforme propositura de certa diretoria) que resista ao tempo e diversidades de situações caso não seja trabalhado abertamente com os médicos peritos. Alguns dos muitos motivos estão bem descritos acima.
ResponderExcluirExcelentes considerações. Não haverá novo modelo de perícias médicas ( conforme propositura de certa diretoria) que resista ao tempo e diversidades de situações caso não seja trabalhado abertamente com os médicos peritos. Alguns dos muitos motivos estão bem descritos acima.
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