Capacidade de trabalho é um valor, assim como o é a saúde.
Por Eduardo Henrique
O perito médico é, por definição da sociedade e por competência específica, o profissional qualificado para juizar esses valores.
As pessoas em geral, inclusive os próprios médicos, têm dificuldade em avaliar a própria saúde, sendo freqüente alguém julgar-se hígido e, ao ser avaliado, apresentar doenças até graves e avançadas. Saúde não é ausência de patologias, mas o equilíbrio de forças que permite ao ser desenvolver plenamente as habilidades e potencialidades. Doente é o que sucumbe ao desequilíbrio e precisa tratamento para reduzir as agressões ou para aumentar as defesas. Se a saúde contém a doença, o juízo dos valores se torna naturalmente muito complexo. Por outro lado, a doença pode não conter patologias de forma significativamente detectável nem valorizável, sendo constituída mais por aspectos subjetivos e moduladores do que por aspectos nucleares e primariamente patológicos no plano biológico. Ademais, a doença e suas consequências não podem ser dissociadas do universo em que o doente está inserido, pois será maior ou menor segundo fatores internos da percepção, cognição, elaboração, simbolismo, espiação de pecados, ganhos ou perdas afetivas, interesses trabalhistas e sociais, financeiros entre outros.
Desta breve reflexão, pode-se imaginar o quão difícil é definir objetivamente saúde e doença; capacidade e incapacidade, pois os 4 conceitos convivem em todos nós. O desafio é valorar cada um e encontrar a resultante, se isto for possível. Para um perito do INSS o desafio é ainda maior, pois a resultante, que seria um vetor, uma tendência com sentido e direção, precisa ser um SIM ou um NÃO. O perito tem que ter em mente que incapacidade pode não ser por doença, pode ser por inabilidade, falta de qualificação, falta de vocação, desinteresse, conjuntura econômica. Estas não estão amparadas pela Previdência. Mas a dificuldade não para por aí, o perito precisa estabelecer ainda a data de instalação da incapacidade, o momento em que o desequilíbrio passou a impedir o trabalho produtivo e definir a data estimada para que a situação se normalize.
Muito se trabalha e muitos anos se consome para desenvolver a expertise de decidir direitos a partir da ponderação entre todos os fatores e forças internas e ambientais envolvidos. Quem acredita ser missão simples não tem a menor ideia do trabalho pericial previdenciário. Se alguém pensa que se trata de copiação de atestado, sabe menos ainda. Se alguém, mesmo não sabendo nada, emite opinião e, pior ainda, pretende reformular ou rotular como esgotado o modelo médico-cêntrico, não conhece o que seja perícia médica, não tem graduação nem pós-graduação na área, ou tem má-fé e serve a interesses de terceiros. Esgotado seria o modelo que imagina ser a realidade que talvez desconheça.Não há profissional melhor qualificado que o médico para integrar todos os conhecimentos e análises necessárias a uma avaliação multidimencional como é a avaliação da incapacidade por doença.
Ainda que todos fossemos honestos como os finlandeses, temêssemos a humilhação de não produzir o próprio trabalho e renda, como os holandeses, abominássemos a execração pública como os Japoneses, temêssemos a Justiça, como os norte-americanos, ainda assim, não estaríamos preparados para nos definir capazes ou incapazes, saudáveis ou doentes. O que podemos dizer é se nos sentimos bem ou mal, e todos os estágios intermediários. Podemos nos perceber potentes ou fracos. Esta auto-percepção pode traduzir uma doença ou um estado de espírito, um interesse, uma condição bio-psico-social. Para a Previdência Social brasileira existe um benefício, o Auxílio-doença, que é condicionado à constatação de incapacidade laboral por doença detectável e demonstrável através de métodos científicos do domínio da medicina. A doença precisa estar presente, é o núcleo imprescindível sobre o qual se ponderará todos os determinantes e modificantes no julgamento da incapacidade. Mas o que é doença? Que tipo de alteração consideraremos como indispensável para atribuir essa significância? Se pretendem mudar modelos precisam enfrentar esse desafio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário