A reportagem do dia 25 de agosto do corrente ano veiculada pelo Fantástico estampou e enfatizou, de maneira mais óbvia, a ocorrência de fraudes em benefícios por incapacidade no INSS, fato que não é nenhuma novidade, uma vez que trata-se do òrgão público decacampeão de fraudes no país, superando com larga margem de vantagem o segundo colocado.Estatísticas publicadas pela Força Tarefa Previdenciária têm mantido nos últimos anos a taxa de mais de uma Operação policial deflagrada por semana no país.
Entretanto, o mais importante desdobramento desta reportagem talvez não tenha parecido tão óbvio assim, pelo menos para quem é leigo, inexperiente e não convive diariamente com tudo o que diz respeito a estes benefícios.
Subliminarmente, a matéria jornalística apenas corrobora o quão complexos, intrincados e multifacetados são os elementos probatórios que um perito deve considerar em seu julgamento sobre incapacidade laborativa, não obstante tenha perpassado ao telespectador, ao meu ver, a idéia de que trate-se de algo simples e trivial.
Não sou advogado de ninguém, bem como não posso - por questão de ética e por não ter acesso aos autos dos processos administrativos que reunem todos os elementos probatórios apresentados nas perícias dos dois principais segurados mostrados na matéria - emitir juízo CONCLUSIVO, do ponto de vista estritamente técnico, sobre nenhum dos casos aludidos, MERAMENTE com base no que foi noticiado.
Contudo, por outro lado, a matéria faz parecer ao leigo que tudo é muito simples e que já existe uma conclusão cabal, inexorável e irrefutável no que tange a existência ou inexistência de incapacidade para o trabalho, em um e em outro caso, como se tudo fosse muito claro, cristalino, fácil e óbvio.Ledo engano!
Expurgando os demais indícios probatórios extra-periciais que devem apontar evidências necessárias à uma acusação criminal - como as interceptações telefônicas, por exemplo - se fôssemos nos ater, EXCLUSIVA e estritamente, aos elementos técnicos médico-legais que são analisados por um perito, a fim de criar um convencimento sobre um juízo que guiará uma fundamentação sobre dada pleiteada incapacidade laboral, o resultado poderia NÃO ser assim tão óbvio e claro em nenhum dos dois casos - como fez parecer a reportagem .
Dissecando as variáveis possíveis e hipotéticas de terem sido avaliadas por um outro perito qualquer (se abstraíssemos o fato de que aquele perito específico foi flagrado em conversas telefônicas muito suspeitas e de que havia um escritório com um modus operandi que envolvia muitas outras pessoas, culminando na decisão de que, provavelmente, a polícia federal possa ter tipificado como um crime de formação de quadrilha), chegaríamos à conclusão - ao que pareceu perfunctoriamente analisando como telespectador - que nem é óbvio de que o segurado ex-jogador (ou atual jogador) de futebol não teria/ não teve o direito a receber o benefício e nem de que a segurada em cadeira de rodas já deveria/devesse ter sido aposentada há muito tempo.
A primeira coisa que os repórteres devem corrigir em futuras matérias é evitar se utilizar da expressão: " este segurado precisa e este não precisa do auxílio-doença ".Isto é um erro doutrinário e médico-legal.
Ora, quem não precisa de um benefício em terra de estímulos a beneVícios?Se levarmos em conta que a quase totalidade dos segurados do INSS sáo pobres ou classe média, quem é que não iria precisar de um benefício qualquer?Ocorre que os beneficios por incapacidade não são benefícios assistenciais (apesar de o governo vir tentando a todo custo transformá-los nisto), mas sim previdenciários.
Eu sempre digo que se a motivação para a concessão de um auxílio doença fosse assistencial ou social, não haveria a necessidade de existir nenhum perito no INSS, pois bastaria o cidadão ter a sua renda e condições sociais avaliada para poder ter o direito a tal benefício.Em outras palavras, seria tal qual um bolsa família.
Isto explica o porquê de o governo pretender e planejar há muito tempo extinguir ou diminuir o papel e o peso do perito na sua concessão.Faz e age assim, mas não muda as leis.Desqualificam e desmoralizam os peritos, mas não têm coragem de extinguir com a profissão de perito médico.Por quê, enfim, não fazem isto e assumem seu real intento, pelo menos para acabar com a hipocrisia e a disparidade entre o discurso e a práxis de diversos atores sociais nesta matéria.Bem, mas esta já é outra questão.
O ex-jogador profissional de futebol poderia estar fraudando o INSS sob o olhar estrito de um perito, desconsiderando os demais aspectos policiais?Sim, PODERIA!Mas, não vejo isto como claro e definitivo como me pareceu ter sido noticiado.Mesmo considerando a existência da prova de filmagem do jogador jogando futebol coincidindo com mesmo período em que estava usufruindo do auxílio doença.
Por quê digo isto? Bem, agora é que vou explicar o porquê de ter dito que um julgamento pericial é algo muitas vezes complexo e que foge do senso comum, do terreno da simplicidade que muitos teimam, ignorantemente, em rotulá-la, eis que depende da análise, ponderação, quantificação e ponderação de múltiplas variáveis, cuja dimensão depende de juízo de valor, da experiência, do conhecimento e do equilíbrio de cada perito.
O perito é o juiz do fato - disse certa vez um desembargador do TJMG.
Vejam como nada é simples em se tratando de perícia.O primeiro ponto a ser observado por um perito, como exige a legislação pátria, é detalhar qual a atividade laborativa exercida e comprovada pelo segurado ao filiar-se ao INSS.
No caso do ex-jogador exsurgem as perguntas: estaria ele filiado ao INSS na condição de jogador profissional?Como contribuinte individual?Há quanto tempo?Quando ele ingressou como filiado ao INSS já era portador da mesma patologia do joelho que alega incapacitá-lo para exercer sua atividade de jogador no momento atual da perícia?Se afirmativo, em que grau?Houve agravamento da patologia desde sua filiação até o momento da perícia?
Atentem bem: o perito do INSS deve observar e responder a todas a estas questões, impostas pela lei previdenciária, a fim de determinar o direito ou não ao benefício pleiteado.Abaixo analiso cada uma destas questões e os seus possíveis desdobramentos periciais.
Se a reportagem do Fantástico sequer apontou qual é o status de filiação profissional do aludido segurado ao INSS, somente isto por si só já não permitiria que ninguém, nem mesmo o Fantástico, fizesse nenhum tipo de juízo sobre a existência de suposta fraude (desconsiderando, é claro, os demais elementos policiais).
Explico.Vamos supor que o ex-jogador esteja inscrito no INSS como jogador profissional há muitos anos.De acordo com a reportagem o seu diagnóstico, consignado em atestado médico, é de instabilidade crônica do joelho e condromalácia da rótula.A legislação previdenciária não permite a concessão de benefícios para quem já possuía uma determinada doença antes de se filiar ao regime, a menos que fique constatada a existência de agravamento da mesma.Não só a lei explicita isto de maneira clara como também já é pacificado este entendimento pela TNU dos JEFs do país.
Como saber se este jogador já era portador de condromalácia quando se filiou ao INSS?Só haveria um jeito: fazendo a sua perícia admissional.Toda seguradora que se preze faz vistoria (no caso de automóveis) ou mesmo exige uma perícia admissional, ou no mínimo uma declaração de próprio punho do pretendente a ser segurado no sentido de que não é portador de doenças ou de que possui tais e quais doenças.Mas, no INSS nada disto existe!O perito que se lasque!
As pessoas tornam-se seguradas, muitas vezes, já acentuadamente incapacitadas e esperam passar apenas o tempo regulamentar do período de carência para virem solicitar o auxílio doença, quando muito.O caso é especialmente mais grave quando se trata de segurados especiais e contribuintes individuais, já que para aquele empregado com CTPS assinada em muitas das vezes existe o médico do trabalho.
Como é que um perito iria dizer que a doença é pré existente ou se já era mesmo incapacitante se o INSS não exigiu deste jogador, no momento em que se filiou, uma perícia inicial admissional do mesmo, a fim de apurar não só se já possuía alguma doença, mas também qual seria a gravidade e grau de comprometimento da mesma em relação à atividade laboral?
Resta, então, ao perito a árdua e ingrata tarefa de trabalhar sobre conjecturas, se o segurado não quiser lhe apresentar provas de como evoluiu a doença ao longo do tempo, isto é, se existirem tais provas.
Se as provas forem contrárias ao interesse do segurado, ele tem garantido o direito legal de não produzir provas contra si mesmo, podendo simplemente omitir as informações ao perito, o qual também poderá não se julgar capaz de decidir sobre a perícia, por falta de elementos necessários à sua convicção a ao cumprimento da lei.
Vamos, então, supor que o jogador já fosse portador de condromalácia ao filiar-se ao INSS como jogador profissional, mas vamos dizer que a condromalácia era, conjecturalmente, grau 1 no ato de sua filiação ao INSS(a condromalácia é classificada em 04 graus, segundo Outerbridge).
Vamos supor, ainda, que este grau 1 de condromalácia fosse pouco sintomático, fosse controlável com medicação e fisioterapia, causava poucas e esporádicas dores e que não estava causando-lhe ainda incapacidade para jogar futebol como profissional.
O fator mais comum e importante que causa a condromalácia é o trauma crônico por fricção crônica entre a patela e o sulco patelar do fêmur, resultando em enfraquecimento e amolecimento da cartilagem envolvida.
Se partimos do pressuposto de que a atividade laboral segurada pelo INSS é a de jogador de futebol, fica claro que o gesto de jogar futebol contribuiu para a causa da patologia e, logo, para o seu agravamento ao longo dos anos, vez que ao longo do tempo, inevitavelmente, haverá atrito entre as supracitadas estruturas anatômicas em decorrência da atividade segurada.
Neste caso bastaria que o jogador, ao começar a sentir que as dores estavam aumentando e que os exames indicassem um agravamento de sua condromalácia, marcasse uma perícia no INSS para que o perito o considerasse incapaz para o trabalho, AINDA QUE NÂO ESTIVESSE TOTALMENTE INCAPAZ.
Veja bem o porquê de eu ter destacado em letras garrafais a oração acima: a legislação previdenciária não exige para a concessão do auxílio doença um percentual mínimo de incapacidade para que o perito JULGUE haver incapacidade e conceder o benefício.Aqui repousa a complexidade de uma perícia: o ter que valorar o dano e cotejar com a atividade laboral da pessoa.Isto exige sensibilidade e arte, muito além do conhecimento puramente técnico.
Bastaria, então, que o jogador de futebol, ainda que tenha sido admitido e se filiado ao INSS portador da doença, faça comprovar que houve agravamento de sua doença, ao ponto de gerar uma incapacidade qualquer, para que os requisitos para concessão do benefício fossem satisfeitos.Ora, surge a pergunta: mas ele não poderia ser capaz de jogar futebol ainda, nem que fosse somente nos finais de semana, nem que fosse uma "pelada", ou seja, como jogador não profissional?Talvez ele pudesse mesmo, e daí?O video gravado pela PF mostra exatamente isto.Mas isto não quer dizer, por si só, peremptoriamente, que haja uma fraude na perícia ou que alguém foi corrompido ou que o segurado mentiu para o perito, a fim de conseguir seu benefício.
Ora, se ele foi admitido como jogador profissional, de quem se exige um alto nível de preparação física, não seria admissível e razoável que continuasse a atuar como jogador profissional, mesmo que não houvesse uma incapacidade total, uma vez que para quem compete em alto nível uma perda leve de desempenho em apenas um jogador pode comprometer o resultado de uma partida e de um campeonato inteiro.
Portanto, há que se observar não somente a perda absoluta de uma dada capacidade, mas também a perda relativa da mesma tomando como base a produtividade ou desempenho do grupo de indivíduos que exercem aquela profissão nas mesmas condições de igualdade, aquilatando a repercussão que pequenas alterações na saúde poderiam acarretar naquele agrupamento.
Para um jogador profissional uma leve perda da capacidade laboral, causada por uma leve alteração articular, que acarrete em dores esporádicas, já é o bastante para que o mesmo seja considerado incapaz.Aliás, vou mais além disto ainda: para um jogador profissional o simples diagnóstico (sem entrar no mérito do grau da doença) de condromalácia já possibilitaria ao perito definir a existência permanente e definitiva de inacapacidade para a profissão de jogador, simplesmente pelo fato de que a profissão agravará, indiscutivelmente, a patologia, fazendo com que avance de grau mais rapidamente ao longo do tempo em comparação com outrem que não jogue futebol.
A legislação permite que o perito considere incapaz e conceda o benefício para um requerente cuja doença será agravada pelo trabalho.Tal situação é tida quase como um sinônimo de incapacidade.É claro que tal juízo exige bom senso.
Agora, vamos supor que não se tratasse de um jogador de futebol que estivesse requerendo o auxílio doença, mas de outro segurado que apresentasse um atestado médico igual ou semelhante ao apresentado pelo jogador ao perito.Vamos supor que este outro segurado hipotético fosse a outra segurada (ou semelhante à ela) apresentada na reportagem, que estava em cadeira de rodas, e que alegasse incapacidade para um trabalho administrativo, o qual não exige que suba escadas, não exige que carregue pesos, não exige, enfim, excesso além do razoável para viver no dia-a-dia, que imponha sobrecarga sobre a articulação do seu joelho.
Neste outro caso, hipotético, poderia não haver incapacidade ao trabalho nem com grau 1 e quiça nem mesmo com o grau máximo (grau IV) de condromalácia do joelho, simplesmente porque não se cumpririam os requisitos legais para a concesão do benefício, ou seja, não haveria agravamento da doença em função do trabalho e nem incapacidade para o trabalho, que só exige que a empregada fique sentada.Poderia eventualmente até mesmo existir uma incapacidade temporária e parcial em determinados momentos para o trabalho em virtude de crises de agravamento ou de piora dos sintomas, mas não ao ponto de justificar uma incapacidade permanente.
Inclusive, o patrão desta hipotética senhora poderia proporcionar mudanças em seu ambiente de trabalho no intuito de facilitar ainda mais a sua atividade no trabalho, de modo que garanta que nem mesmo o mínimo de esfoço ela irá realizar, poupando ao máximo a sua articulação.
Vejam como se tratam de dois casos bem distintos e cuja conclusão será distinta pelos peritos, mesmo que a doença seja a mesma e mesmo que, em alguns casos, o grau da doença seja o mesmo.
Portanto, quando a reportagem fala que se ficar comprovado que o jogador não precisava do benefício, incorre em um erro conceitual grave.Estamos aqui falando de direitos, e não de necessidades.
Após analisar todas estas variáveis, quem sabe, o jogador não poderia ter direito ao benefício requerido?Por outro lado, a senhora em cadeira de rodas mostrada na reportagem, quem sabe, após análise de vários fatores, ela não poderia ser considerada apta ao trabalho que exercia?
No caso desta senhora a reportagem diz que ela já trabalhou como secretária e atendente de telemarketing.Diz ainda que ela é paraplégica e que assim ficou após uma cirurgia de hérnia de disco.Diz ainda que tem dificuldade para movimentar os braços.
Repiso que, sem estar de posse de outros elementos probatórios que definam melhor quais doenças e quais comprometimentos possui, bem como o grau e prognóstico de tais doenças, seria antiético e leviano de minha parte fazer qualquer julgamento acerca de incapacidade nesta senhora, até porque a reportagem não definiu qual é a sua profissão atualmente segurada pelo INSS.
Vamos partir do pressuposto de que se trata de uma operadora de telemarketing (uma das profissões exercidas por ela).Apesar de a senhora dizer que tem dificuldades em movimentar os braços, não sabemos qual seria a doença que explicaria tal sintoma de paresia.Porém, observei que, grosseiramente, ela demonstrou, em alguns momentos da reportagem, possuir algum movimento dos braços.Quanto?Não sei! Teria que fazer a perícia, analisar seus exames e fazer seu exame físico.Mas, aparentemente, não tem atrofia ou hipotrofia da musculatura - sinal de desuso - dos membros superiores.Com certeza, não é paralítica dos membros superiores, senão teria sido anunciada como tetraplégica, e não como paraplégica.
Pois bem, vamos ao que interessa: o percentual de força muscular que ainda resta a esta senhora permitir-lhe-ía ainda trabalhar como atendente de telemarketing?Esta é a questão que o perito tem que responder e que irá determinar ou direito a um benefício ou não, podendo ser este benefício um auxílio doença, um encaminhamento à reabilitação profissional ou até mesmo uma aposentadoria, a depender da conjugação e satisfação de outros fatores.
Para chegar a tal convicção o perito tem que saber qual o grau de perda de força muscular que a periciada possui nos membros superiores, qual a região dos membros superiores e o quê está levando a isto do ponto de vista neuromuscular.Uma força muscular grau 3 provavelmente não a incapacitaria ao trabalho de atendente de telemarketing, desde que fosse bilateral.
Portanto, ainda que tivesse paraplegia e ainda que tivesse dificuldade para movimentar os braços, como foi dito na reportagem, isto não implicaria, necessariamente, que esta senhora teria o DIREITO líquido e certo ao benefício.
Vai depender de sua profissão, do seu ambiente de trabalho e de outros dados sobre sua doença que NEM SEMPRE, aliás, QUASE NUNCA, estão consignados em atestados ou laudos médicos que são apresentados aos peritos do INSS, apesar de haver resolução do CFM que regulamenta a emissão de tais documentos.
Faço aqui um breve parêntese para criticar exatamente este ponto, do qual muitos peritos são vítimas da sanha ignorante ou de má fé da sociedade.Muitos imbecis dizem por aí mais ou menos assim: o perito não aceitou o laudo do médico assistente do periciado e não concedeu o benefício, mesmo este dizendo que o periciado é doente e incapaz para o trabalho.
Primeiro ponto: doentes todos são.Até hoje, em mais de sete anos que tenho de atividade de perito, eu nunca atendi nenhuma pessoa que não fosse doente!Entretanto, o perito não avalia a doença, mas sim a incapacidade ao trabalho, e é isto que vai gerar ou não o benefício, não obstante o fato de o seu nome - auxílio-doença - levar a uma confusão de entendimento sobre os seus requistos legais (talvez até proposital).
Segundo ponto, o perito não é mero homologador de atestados, até porque algumas vezes os médicos que emitem atestados parecem estar mais preocupados em fazer constar nos mesmos que a pessoa está incapaz definitivamente do que, de fato, explicar o porquê, de maneira fundamentada, daquela sua alegação e juízo.Um exemplo: no caso deste jogador de futebol o comum é o médico assistente (alguns) escreverem no atestado: "paciente portador de condromalácia crônica e instabilidade de joelho.Incapaz definitivamente para o trabalho".
Como eu acabei de explicar acima este atestado escrito nestes termos (o que é muito comum, infelizmente) não define direito nenhum, porque não explica o porquê daquilo que diz.Para começar diz haver incapacidade ao trabalho, mas não diz a qual trabalho.Diz haver condromalácia, mas não diz qual o grau da doença e nem há quanto tempo começou.Não diz a qual tratamento o paciente já foi submetido e nem qual foi a resposta ao tratamento.Não diz qual o prognóstico e qual a previsão terapêutica no futuro.Sem isto não há como fazer uma perícia.
Lamentavelmente, alguns médicos assistentes estão mais preocupados com parecer amigos e apoiadores do paciente em seu desejo de ganhar um benefício do que, de fato, em tratar do mesmo e em fornecer as informações isentas para que o perito julgue, sem constrangimentos e sem expectativas de direito pré-formadas, que acabam por infundir no seu paciente e às vezes não se concretizam.
Ressalto que o médico assistente ao emitir juízo sobre incapacidade laboral estará agindo como perito e poderá sofrer demanda ética nos CRMs por infração ao artigo 93 do CEM, que veda que o médico seja perito se paciente seu, além do constrangimento que causa aos seus colegas peritos de maneira gratuita e desnecessária.
O trabalho de um perito não é nada simples e frugal como as pessoas imaginam.
Vamos supor que o jogador de futebol da reportagem tivesse, hipoteticamente, adentrado na sala do perito em cadeira de rodas, mesmo que não precisasse de cadeira de rodas, levando um atestado médico que consignasse as mesmas patologias do joelho.Ora, seria natural e normal que um perito de verdade, em busca da verdade, perguntasse em segredo em sua cabeça: " será que este cidadão não está exagerando?"Em outras palavras: "será que ele não estaria simulando?".
Ora, o natural seria que o perito pedisse que o segurado tentasse se levantar e dar alguns passos.Isto não é, necessariamente, humilhação - como disse a senhora da reportagem.Não estou aqui me referindo ao seu caso em particular.É claro que vai depender do modo pelo qual o perito se exprimiu.
Uma coisa é perguntar: " a senhora consegue se levantar e dar alguns passos? Vamos tentar?Dá para tentar?".Outra é dizer: " a senhora consegue sim, vamos, levanta e anda! ".Depende da entonação, inflexão e da maneira em que é dito.Mas, por si só não é uma humilhação.Faz parte da perícia de um perito sensato.Até porque o perito que não o fizer poderá ter que responder futuramente por seu desleixo em não ter feito e anotado o exame, em não ter anotado que a pessoa referiu não conseguir, por exemplo, sequer levantar-se da cadeira.Caso esta pessoa seja pega pela PF no futuro não muito distante jogando futebol, por exemplo, a culpa recairá sobre o periciado, desde que o perito tenha tentado fazer o exame físico e desde que tenha anotado na perícia que a pessoa referiu ter tais limitações.
Caso contrário, o perito estará metido em uma encrenca porque nesta hora é um salve-se quem puder.Reparem que, pelo noticiado, o benefício da aludida senhora jamais foi suspenso por motivo de indeferimento pelo perito, mas sim porque ela não compareceu a uma das perícias que estavam agendadas.Não há nada errado no fato de uma pessoa ter que ir várias vezes fazer perícia ao longo de um ano.
Volto a repetir a mesma coisa: enquanto o perito não estiver absolutamente convicto acerca da existência de uma incapacidade definitiva, multiprofissional e insuscetível de reabilitação para outra profissão - ou seja, de invalidez - não haverá outra decisão a ser tomada senão o auxílio-doença, que é assim mesmo, tem um caráter temporário que vigora enquanto existir a incapacidade ou enquanto não existirem mais critérios de transitoriedade da mesma.
Hoje em dia um dos fatores que mais dificultam uma decisão definitiva do perito no sentido de, quando couber, indicar uma aposentadoria por invalidez, por exemplo, é a falência do SUS, referendada agora pela vinda dos médicos cubanos.
Muitas vezes, e não é raro, o perito vê-se obrigado a prorrogar o prazo da perícia de um auxílio-doença porque o SUS só tem vaga para um especialista - que poderia deslindar melhor as dúvidas do perito, além de tratar tempestivamente da saúde do paciente segurado - dali a meses ou anos às vezes, chegando até ao ponto de ocorrer iatrogenia por gestão do SUS, que são aqueles casos em que o INSS vê-se onerado a conceder benefícios que podem chegar a aposentadoria por invalidez somente pelo fato de o SUS não ter funcionado adequada e tempestivamente.
Já vi segurado esperar mais de um ano para ser atendido por especialista devido a um dano neurológico, que poderia ser reversível, senão total, mas parcialmente, se tivesse tido acesso rápido à integralidade garantida pelo SUS no papel da Carta Magna, oferecendo, em troca de sua plena saúde, um prêmio do INSS ao resignado cidadão, agora tornado inválido, como uma espécie de indenização para o resto de sua vida por causa da ineficiência do sistema de saúde, como se fosse substituível de alguma forma a saúde perdida.Quem responde por isto?
E o perito tem dúvidas, o perito muitas vezes depende do especialista para convencer-se de qual decisão vai tomar.Há informações que são fundamentais no quebra-cabeças do quadro do julgamento pericial, sem as quais só caberá ao perito, na dúvida, protelar mais um pouco o benefício até formar convicção mais robusta.
Em determinados casos é mesmo impossível, insensato e desarrazoado o perito tomar uma decisão de concessão de um benefício mais prolongado, justamente porque ela não cabe naquele momento e torna-se imprescindível saber como a doença efetivamente desenvolveu-se ao longo do tempo, a fim de que se possa tomar outra decisão em um outro momento.
Ora, dizer, então, que a senhora da reportagem teve de ir 04 vezes fazer perícia não significa, a priori, nem que ela foi humilhada e nem que haja nada de errado, desarrazoado e contra as normas do benefício solicitado, antes que se possa (um outro perito) analisar as razões e fundamentações que conduziram os peritos que previamente a periciaram a tomarem a conduta foi tomada no caso.
Vamos exagerar a situação da senhora mostrada na reportagem, partindo do pressuposto de que a sua profissão segurada no INSS era de atendente de telemarketing e de que a mesma possuiria paralisia completa (plegia) de ambos os membros superiores, além dos inferiores (o que não parece ser no caso), mantendo somente um fraco movimento em um só dos dedos de uma só das mãos, o suficiente para permitir atender eletrônicamente a um contato telefônico.É claro que estou exagerando na pintura do quadro, mas é para ilustrar o que pretendo dizer, em linhas gerais e via de regra.
Mesmo assim, nesta hipotéticsa situação, não se poderia ainda dizer, só por isto, categoricamente, sem considerar outras variáveis clínicas como idade, escolaridade, habilidades, vontades individuais, doenças associadas, prognóstico, ambiente e condições de trabalho (não informadas), que ela estivesse sequer incapacitada para o trabalho, o que dirá inválida.
Hoje em dia muitos atendentes de telemarketing trabalham em sua própria residência como terceirizados, por exemplo, alguns atendentes da GOL empresa aérea.
Trabalhando em casa, tendo um fone de ouvidos e microfone adaptados à sua cabeça, não tendo déficits de inteligência ou de fala, e contando com a ajuda de algum familiar para ajudá-la somente a colocar os apetrechos em volta da cabeça, não vejo porquê alguém alegaria estar incapaz para este gesto laboral.
Alguém que estivesse em cadeira de rodas e com apenas um dos membros superiores tendo grau de força 3 (o normal é 5), os outros três membros paralíticos completamente (grau zero), ainda assim poderia conseguir ser contratada pela empresa ( o médico do trabalho poderia talvez não considerá-la incapaz para ser admitida), podendo até entrar na cota de pessoas com deficiência que a lei exige, poderia trabalhar perfeitamente com uma deficiência, mas sem incapacidade.
A incapacidade para o trabalho depende dos gestos demandados da pessoa em sua profissão em seu ambiente de trabalho, portanto, depende das habilidades e vontades individuais, depende das atribuições específicas do trabalho e depende das condições, metas e relacionamentos existentes no ambiente de trabalho.Esta é a complexidade de se julgar a existência de incapacidade em uma perícia.
Não é tão fácil ou óbvio como talvez pareceu no Fantástico, mas pelo menos serviu de balizamento para que pudéssemos fazer esta reflexão e quebrar mitos, preconceitos e paradigmas acerca da questão.
Se alguma destas pessoas que criticam os peritos ou o seu trabalho fossem convidadas a viver um dia de perito iria deixar de ser crítico no dia seguinte.
É muito fácil tripudiar, sumariamente, sobre um trabalho que não se tem nem competência e nem interesse em agir ou entender o seu contraditório.Perito enfrenta um leão todos os dias, os peritos sérios de verdade são os que mais sofrem pela maneira como o sistema está instalado, porque ninguém o entende e jamais procurará entendê-lo, e nem mesmo o governo toma todas as atitudes para esclarecer o seu papel como guardião dos direitos da coletividade, talvez porque não renda ou até tire votos.
Enquanto o Brasil estiver sendo planejado com mentalidade de valer somente o imediatismo do voto em detrimento do futuro do país, que só se alcança premiando o mérito e agindo com seriedade perante as leis, continuaremos a assistir o show de terror e de caça aos peritos expiatórios que hoje impera no INSS.
O Fantástico tem material para fazer uma reportagem diferente toda semana sobre possíveis fraudes no INSS já que a média de operações da PF ultrapassa uma operação por semana e aproveitar para esclarecer estes detalhes do papel do perito, que não são esclarecidos para a população de um modo geral e contribuir para um país mais sério, ao invés de jogar a pecha sobre uma classe inteira de profissionais ou de fraudador corrupto ou de carrasco que dificulta ou impede o acesso a quem "PRECISA".Poderia criar o quadro: " A fraude da semana no órgão decacampeão de fraudes no Brasil".
Como em todas profissões - ainda mais em uma em que se tem a faca e o queijo na mão, em que não se é valorizado, em que toda a cultura de grande parte da sociedade o enxerga como benefício assistencial, e não previdenciário, em que o perito sério é execrado e adoentado por buscar apenas a ética - há corruptos e bandidos, talvez para alguns seja mais fácil e indolor agir assim por causa de toda a pressão social que sofrem, mas isto também não justifica jamais agir com improbidade.
O Fantástico não deixa uma saída honrosa para ninguém da categoria de peritos pois a coisa toda é feita de uma maneira que perpassa uma mensagem, nas linhas e entrelinhas, de que aqueles que não são carrascos e humilhadores (apenas por negarem corretamente um requerimento) são corruptos.Carrascos desumanos ou corruptos ?E aí, perito, qual opção é menos pior ?Não há uma terceira via e agradeça ainda por poder, por enquanto, escolher.
A tendência da reportagem para mim é clara e mais uma vez os peritos não são tratados com o respeito que a profissão, o risco, formação e a complexidade social e econômica do seu mister determinam.