Reflexões sobre 66% de faltas nas agendas marcadas na maior APS do Brasil.
A previdência social foi criada há 90 anos para servir à população brasileira incapaz de trabalhar ou de se auto-sustentar. Com o tempo houve mudanças de conceitos a necessidade de profissionalização da gestão. Com isso vieram a implementação dos tradicionais esquemas de administração que envolvem o acompanhamento de números e metas para controle das atividades.
Infelizmente parece que no INSS os números vieram mas a profissionalização não. Os números, metas e índices que foram criados para ser um guia da gestão para sua atividade-fim (ou seja, o atendimento à população) acabaram por virar eles mesmos os objetivos finais da própria gestão. Nessa deturpação de prioridades, o cidadão deixou de ser a finalidade e virou "o problema". Inclui-se como cidadão o servidor do INSS.
Na última sexta-feira cerca de 66% dos segurados agendados faltaram à sua perícia médica na maior APS do país, em São Paulo. Nesta cidade o TMEA-PM está acima de 30 dias. Muitos dos que vieram não puderam ser atendidos por documentação irregular.
A gestão do INSS, tanto em São Paulo como no resto do País, sabe e monitora apenas o número de perícias feitas (concluídas) pelos peritos e usa isso para seus julgamentos e ações. Mas desconhece de forma inacreditável o porque das faltas. A gestão sabe o número de remarcações mas desconhece os motivos das mesmas.
Por que isso ocorre? Ocorre pois os números de perícias feitas e o de remarcações são monitoriados por índices e sistemas feitos em Brasília e possuem metas a ser cumpridas. Mas as faltas dos usuários, isso não é cobrado de ninguém, logo, não é aferido.
Sem saber as causas dos represamentos de agendamentos, pois a monitoração é falha e o planejamento inexistente, a gestão do INSS em São Paulo, e é assim em todas as outras superintendências, apela para métodos clássicos e ultrapassados de cobranças fordistas de produtividade na base do massacre de médicos e administrativos para produzir as metas pactuadas em algum grande hotel onde ocorrem essas reuniões de planejamentos.
O INSS diz que os números servem para monitorar o atendimento, mas o monitoramento de nada adianta se a quem cabe atender não é dado treinamento, formação, autonomia e se sobre eles não é dada uma linha direta de comando. O organograma do INSS é confuso e com vários curto-circuitos. Dependendo de onde está o servidor, ele tem dois ou até três chefes, com tanta linha de comando recidivante, o resultado só pode ser o caos.
Este conjunto de fatores promove um intenso esvaziamento dos quadros e os que ficam fazem qualquer coisa para sair da linha de frente, pois o que para o gestor é um número dentro de um gráfico, para o servidor da ponta é um cidadão cansado, confuso, gritando, ofendendo e desabafando no balcão toda a dificuldade que lhe é imposta para ter os serviços prometidos pela autarquia.
Com poucos funcionários, e dos que ainda estão na casa um número menor ainda ficando de fato na ponta, o INSS acaba escolhendo o overbooking como método de cumprir as tais metas e a opressão como forma de tentar fazer o servidor cumpri-las para o gestor manter seu DAS.
O INSS promete o que não pode cumprir e depois tenta jogar a culpa da raiva do cidadão no servidor que "não trabalhou o suficiente". O INSS não consegue entregar ao cidadão aquilo que diz estar disponível pois prometeu o lombo dos peritos e dos administrativos sem perguntar a estes primeiro se seus lombos estavam à venda. A isso este blog chama de Esquema Caracu, onde o INSS entra com a CARA e os servidores com o resto.
E pior, por motivos que me parecem pessoais e ideológicos, boicota-se a maior APS do País, justamente a que deveria ser prioridade em termos de servidores, equipamentos, etc etc. Com funcionários insuficientes, a gestão paulista entende que a saída é fazer de qualquer jeito. Perdida, propõe agendar "Perícia de Prorrogação" na APS BI sem saber que isso implicaria em transformar a APS em mantenedora de benefícios, o que exigiria duas ou três vezes mais funcionários que o pedido.
Maior demonstração de falta de competências impossível, pois presume-se que a superintendência deveria ter uma equipe que trabalhasse para ela estes dados. Se a gestora suprema do Estado não sabe do que fala, ou a culpa é dela que não entende os dados ou é de sua equipe que não a preparou adequadamente.
O fato é que a gestão ficou cega: O cidadão e o servidor passaram a ser problemas para se atingir a "meta". "Façam os números, custe o que custar, pois não posso perder meu DAS!!!", é assim que parece que as gerências funcionam.
Segurado faltou? Nem querem saber. Tanto que isso nem é medido. Mas se importam com os remarcados, pois existe indicador para essa ação. Documento irregular? Ah, você é "detalhista", diz o chefete da agência... O problema para o servidor não ser "detalhista" é que tem o MPF na cola, o TCU, a CGU etc etc etc. No dia em que se cai numa dessas malhas, a agilidade pelo "social" vira "suspeita de fraude".
Já falamos há tempos: otimizem o número de agendas com diminuição das marcações por agenda. No início vai ter impacto negativo nos índices mas destravando a máquina a operação começa a ocorrer com fluidez, o número médio de atendimentos vai aumentar e em médio prazo o tempo de espera vai cair.
Mas falar em reduzir o número de agendamentos parece uma heresia. A quebra de um dogma, um tabu. Como se a gestão fosse infalível, tal qual os Papas, e em algum momento algum "papado inssano" determinou que não se pode reduzir o número de agendamentos para o médico e isso fica como uma osteomielite na perna da autarquia, sempre lá, presente, fedendo e impedindo a casa de andar direito.
Insistem em fazer o "computador humano" rodar "vários programas" ao mesmo tempo = a memória fica lotada e todo o computador trava e fica lento.
Ter TMEA <15 dias não é, nem de longe, igual a estar atendendo bem o cidadão. Como o cidadão foi tratado? Foi bem? Foi mal? Vai dar retrabalho pro segurado? O direito dele foi reconhecido adequadamente? Uma gerência pode fazer mutirão de 48 perícias por perito por dia, negar 100% dos pedidos de ofício e dizer que seus números estão bons. Isso torna essa gerência boa? Aos olhos dos que só sabem medir, sim. Mas para a população, não.
Determinadas áreas-meio quando vêem um processo pendente de alguma documentação que exigirá alguma burocracia para ser conseguida, preferem dar baixa no processo e negá-lo de forma absurda, obrigando o cidadão a ter que entrar com novo processo, fazer tudo de novo, ir na Justiça... Sabem por que? Pois aquele processo parado vai prejudicar o "IMA" - Idade Média do Acervo, indicador usado para medir qualidade e recentemente incorporado na gratificação dos funcionários.
O esperto que pensou isso não imaginou que com essa medida estúpida os servidores iriam passar a maquiar os números em detrimento do atendimento para manter seu percentual de gratificação.
Ao tratar a meta como se fosse dogma e ao vincular os vencimentos dos servidores a tais metas, o INSS transformou a sua máquina interna, que deveria existir para servir à população, em um monstro que devora pessoas para manter os índices verdes. Um Godzilla Inssano.
O que é mais importante? A população ou os números? Qual é a atividade-fim do INSS? Atender ao cidadão com dignidade ou cumprir a meta?
5 comentários:
Comentário simplesmente perfeito !!
Disse tudo. Muito bom mesmo.
Pena que aquela corja lá de cima não vai ler. E se ler não vai entender. E se entender não vai aceitar.
Obs: para publicar um comentário aqui tem que se "provar que não é um robô". Para trabalhar no INSS tem que se provar o contrário.......
Engraçado que nunca vi ninguém da diretoria ANMP escrever um artigo assim. Medo do governo? Falta de capacidade? Ou os dois?
Parabens Chico, mas uma vez Genial
a INSSanidade vive de números e metas... para os (indi)gestores da máquina pública, que ficam confortavelmente sentados em suas salas ergonomicamente perfeitas, acarpetadas e com ar condicionado, o que importa é o big-brother de sua pasta, superintendência, gerencia, APS, etc. ficar no verdinho e seu DAS estar garantido no final do mês... o cidadão e o servidor que se danem, são detalhes incomôdos que só preocupam quando a telinha fica amarela ou vermelha...
Excelente colocação! Não há preocupação com a qualidade(sem importância), só quantidade! É triste ver este quadro nas Unidades em que trabalhamos.
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