“Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros
fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito
Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da
intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o
furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de
serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados e dos
políticos do mensalão deste governo, que sonegam milhões dos cofres
públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime
(o sistema penitenciário nacional)... Poderia sustentar que duas
melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém. Poderia aproveitar
para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que
mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário apesar da
promessa deste presidente que muito fala, nada sabe e pouco faz. Poderia
brandir minha ira contra os neoliberais, o consenso de Washington, a
cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização
européia... Poderia dizer que os americanos jogam bilhões de dólares em
bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos
passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça nesse mundo? Poderia mesmo
admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha
obviedade. Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total
desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos
como razão de decidir. Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem
quiser que escolha o motivo”.
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