O novo presidente do INSS parece ter descoberto a mágica para resolver o que chama de problema da perícia médica: "Se faltam médicos, vamos terceirizá-los, pelo menos nas áreas mais críticas." propõe. Incrível, não? O único detalhe é que todos os que o antecederam tiveram a mesma idéia. E, espantem-se, nenhum deles conseguiu resolver "o problema da perícia médica".
Por que será? Será que o problema não está na hipótese inicial? Fazer a pergunta errada leva a respostas erradas. Isso não explicaria, talvez, o fracasso retumbante do INSS nos últimos 23 anos em tentar equacionar a questão médica dentro da autarquia?
Qual é, de fato, o problema do INSS? Seria um problema da "perícia médica" ou seria um problema da "GESTÃO da perícia médica"?
Antes de continuarmos, vale a pela lembrar sempre uma história: Antes de 1988, o concurso público não era obrigatório no Brasil. De fato, a maioria dos nossos colegas médicos e administrativos que entraram no INSS antes de 1988 provavelmente começaram aqui através de contatos e indicações, o famoso "janelão". Essa era a regra. Existia concurso, mas não era o mais comum. Alguns até fizeram concursos depois de estarem dentro, mas começaram pelo janelão. A maioria começou assim.
Então médico credenciado nunca foi novidade no INSS e os institutos que o antecederam. O último concurso da era pré-88 para médico do INSS foi nos idos de 1983/1984. E o INSS continuou recrutando médicos credenciados depois disso. Inclusive depois de 1988, mesmo sendo ilegal após a Constituição Federal.
A diferença é que esses médicos credenciados nunca haviam sido em grande quantidade e sempre tinham suas análises submetidas ao aval dos médicos "da casa". Nenhuma perícia de credenciado passava sem um médico do corpo próprio dar uma avaliada. Saber que seriam avaliados por colegas já era uma forte barreira para "desvios periciais". Além de analisar as perícias dos "credenciados", os peritos tinham sua agenda própria de perícias. Era tudo na mão mesmo.
O que mudou então? Com a Nova República em 1988 e sua Constituição "Estado babá" e toda a mudança de mentalidade que a sociedade experimentou após esses eventos associado à políticas regressivas para o serviço público culminaram num acréscimo substancial, porém estável, nos pedidos de auxílio-doença e por outro lado o arrocho no serviço público fez decair a quantidade de médicos públicos no INSS.
O saldo disso é que pela primeira vez o INSS passou a experimentar problemas de filas na perícia médica, problema tão marcante que o INSS virou sinônimo de "fila". Anos se passaram e o modelo se mostrava exaurido, não adiantava apenas credenciar médicos pois o gargalo da análise dos médicos próprios limitava o aumento de produção.
Dez anos depois da Nova República, o INSS já estava com a água batendo na testa. Por causa da perícia médica. Então criaram uma carreira de superperito, chamado de Supervisor Médico Pericial, que trabalharia 40h e resolveria o problema do gargalo. Mais bola fora não haveria de ter.
Os Supervisores receberam triplo boicote: Primeiro dos colegas peritos, que sabotaram a carreira dos "superperitos", segundo do governo, que não cumpriu com as promessas de qualificação e salário e terceiro deles mesmos, ao entrarem em massa com ações na Justiça pedindo redução para 20h. Ao ver isso, o governo matou a carreira e a colocou na lista de carreiras em extinção.
O ano já era 2001 e então uma burocrata teve uma idéia maravilhosa, tão maravilhosa que faço questão de citar o nome da "gênia" aqui: Se chama Patrícia Audi (clique aqui para ler seu curriculo).
Em 2001, Patrícia Audi, a "gênia", era a Diretora de Benefícios e o INSS era comandado por uma Diretoria Colegiada. Certo dia, diante da análise fria dos números, analisando as perícias como devia analisar as movimentações financeiras de sua época no Citibank, Patrícia se viu diante de uma decisão: Teria que contratar mais peritos, pois os que tinha em mãos não davam conta da análise das milhões de perícias solicitadas anualmente.
Credenciar mais peritos? Mas e o gargalo da análise pelos peritos da casa? Não parecia uma boa idéia. Contratar mais peritos por concurso? Imagina, Estado Mínimo tucano não permitia essas coisas não.
Foi ai que a gênia teve a idéia que mudou a história do INSS: Para que precisamos da análise dos peritos da casa? Vamos terceirizar tudo, a perícia credenciada valerá automaticamente para concessão de direitos e com isso poderemos enxugar o quadro de servidores públicos e coordenar o INSS como bancos coordenam agências bancárias. Perfeito, não? Deve ter recebido muitos aplausos.
Só que Patrícia Audi, a gênia, esqueceu de um pequeno detalhe: Ao contrário do papel-moeda, pessoas possuem desejos e vontades, boa fé e má fé.
Achando que fazendo "mais exames" ela resolveria o problema (pensamento de bancário), ela conseguiu tornar o problema pior ainda. De 2001 a 2003 o número de auxílio-doença explodiu de 900 mil para 2,3 milhões. O gasto com B31 subiu de 2 bilhões para 13 bilhões. O IPEA em 2004 fez estudo ao qual chama esse crescimento de "estonteante". Vale a pena ler o relatório todo (clique aqui).
Ao credenciar geral e sem tramela, pagando mensalmente dezenas de milhares de reais a profissionais que ganhavam na catraca e reexaminavam mais frequentemente que o recomendável os pacientes como em um clínica de acompanhamento, a fila, ao invés de regredir, explodiu. Sem compromisso administrativo público, sem segurança em seus consultórios privados e voltados a satisfazer os interesses dos pacientes e seus, chegou-se a terceirizar mais de 75% das perícias que, a esta altura, já não eram mais DO INSS. O desconhecimento das leis, a necessidade de produzir quantidade, a falta de controle do pagador e todas as distorções decorrentes esbarravam ainda na divergência entre peritos próprios e terceirizados em termos de decisão. Tudo isso foi o caldo de cultura da grande insatisfação dos então cerca de 2.100 peritos do quadro público.
Com apoio do parlamento e da sociedade civil, a incipiente entidade associativa de forte tonalidade sindical conseguiu mobilizar peritos de todo o país a partir de Minas Gerais, depois Rio e São Paulo, Rio Grande do Sul para derrubar o modelo que estimou-se responsável por cerca de 4 bilhões de Reais de desperdício anual (custo fila). A aventura teve um custo elevadíssimo, desacreditou a perícia, enfraqueceu o Estado e, em 19.02.2006 foi definitivamente sepultado. Definitivamente?
Se a solução proposta aos SST na última reunião para "resolver o problema da perícia" é o credenciamento de médicos para essa atividade, depois de tudo o que o INSS já passou na mão desses credenciados, então este blog seguirá a linha de raciocínio e propõe para que se "resolva o problema do INSS" credenciamento de gerentes executivos, diretores e presidentes para esta autarquia.
O problema não é da "perícia médica", é da GESTÃO da perícia médica. Se tercerizar é a solução, que se terceirizem os cargos de direção do INSS.
Por que será? Será que o problema não está na hipótese inicial? Fazer a pergunta errada leva a respostas erradas. Isso não explicaria, talvez, o fracasso retumbante do INSS nos últimos 23 anos em tentar equacionar a questão médica dentro da autarquia?
Qual é, de fato, o problema do INSS? Seria um problema da "perícia médica" ou seria um problema da "GESTÃO da perícia médica"?
Antes de continuarmos, vale a pela lembrar sempre uma história: Antes de 1988, o concurso público não era obrigatório no Brasil. De fato, a maioria dos nossos colegas médicos e administrativos que entraram no INSS antes de 1988 provavelmente começaram aqui através de contatos e indicações, o famoso "janelão". Essa era a regra. Existia concurso, mas não era o mais comum. Alguns até fizeram concursos depois de estarem dentro, mas começaram pelo janelão. A maioria começou assim.
Então médico credenciado nunca foi novidade no INSS e os institutos que o antecederam. O último concurso da era pré-88 para médico do INSS foi nos idos de 1983/1984. E o INSS continuou recrutando médicos credenciados depois disso. Inclusive depois de 1988, mesmo sendo ilegal após a Constituição Federal.
A diferença é que esses médicos credenciados nunca haviam sido em grande quantidade e sempre tinham suas análises submetidas ao aval dos médicos "da casa". Nenhuma perícia de credenciado passava sem um médico do corpo próprio dar uma avaliada. Saber que seriam avaliados por colegas já era uma forte barreira para "desvios periciais". Além de analisar as perícias dos "credenciados", os peritos tinham sua agenda própria de perícias. Era tudo na mão mesmo.
O que mudou então? Com a Nova República em 1988 e sua Constituição "Estado babá" e toda a mudança de mentalidade que a sociedade experimentou após esses eventos associado à políticas regressivas para o serviço público culminaram num acréscimo substancial, porém estável, nos pedidos de auxílio-doença e por outro lado o arrocho no serviço público fez decair a quantidade de médicos públicos no INSS.
O saldo disso é que pela primeira vez o INSS passou a experimentar problemas de filas na perícia médica, problema tão marcante que o INSS virou sinônimo de "fila". Anos se passaram e o modelo se mostrava exaurido, não adiantava apenas credenciar médicos pois o gargalo da análise dos médicos próprios limitava o aumento de produção.
Dez anos depois da Nova República, o INSS já estava com a água batendo na testa. Por causa da perícia médica. Então criaram uma carreira de superperito, chamado de Supervisor Médico Pericial, que trabalharia 40h e resolveria o problema do gargalo. Mais bola fora não haveria de ter.
Os Supervisores receberam triplo boicote: Primeiro dos colegas peritos, que sabotaram a carreira dos "superperitos", segundo do governo, que não cumpriu com as promessas de qualificação e salário e terceiro deles mesmos, ao entrarem em massa com ações na Justiça pedindo redução para 20h. Ao ver isso, o governo matou a carreira e a colocou na lista de carreiras em extinção.
O ano já era 2001 e então uma burocrata teve uma idéia maravilhosa, tão maravilhosa que faço questão de citar o nome da "gênia" aqui: Se chama Patrícia Audi (clique aqui para ler seu curriculo).
Em 2001, Patrícia Audi, a "gênia", era a Diretora de Benefícios e o INSS era comandado por uma Diretoria Colegiada. Certo dia, diante da análise fria dos números, analisando as perícias como devia analisar as movimentações financeiras de sua época no Citibank, Patrícia se viu diante de uma decisão: Teria que contratar mais peritos, pois os que tinha em mãos não davam conta da análise das milhões de perícias solicitadas anualmente.
Credenciar mais peritos? Mas e o gargalo da análise pelos peritos da casa? Não parecia uma boa idéia. Contratar mais peritos por concurso? Imagina, Estado Mínimo tucano não permitia essas coisas não.
Foi ai que a gênia teve a idéia que mudou a história do INSS: Para que precisamos da análise dos peritos da casa? Vamos terceirizar tudo, a perícia credenciada valerá automaticamente para concessão de direitos e com isso poderemos enxugar o quadro de servidores públicos e coordenar o INSS como bancos coordenam agências bancárias. Perfeito, não? Deve ter recebido muitos aplausos.
Só que Patrícia Audi, a gênia, esqueceu de um pequeno detalhe: Ao contrário do papel-moeda, pessoas possuem desejos e vontades, boa fé e má fé.
Achando que fazendo "mais exames" ela resolveria o problema (pensamento de bancário), ela conseguiu tornar o problema pior ainda. De 2001 a 2003 o número de auxílio-doença explodiu de 900 mil para 2,3 milhões. O gasto com B31 subiu de 2 bilhões para 13 bilhões. O IPEA em 2004 fez estudo ao qual chama esse crescimento de "estonteante". Vale a pena ler o relatório todo (clique aqui).
Ao credenciar geral e sem tramela, pagando mensalmente dezenas de milhares de reais a profissionais que ganhavam na catraca e reexaminavam mais frequentemente que o recomendável os pacientes como em um clínica de acompanhamento, a fila, ao invés de regredir, explodiu. Sem compromisso administrativo público, sem segurança em seus consultórios privados e voltados a satisfazer os interesses dos pacientes e seus, chegou-se a terceirizar mais de 75% das perícias que, a esta altura, já não eram mais DO INSS. O desconhecimento das leis, a necessidade de produzir quantidade, a falta de controle do pagador e todas as distorções decorrentes esbarravam ainda na divergência entre peritos próprios e terceirizados em termos de decisão. Tudo isso foi o caldo de cultura da grande insatisfação dos então cerca de 2.100 peritos do quadro público.
Com apoio do parlamento e da sociedade civil, a incipiente entidade associativa de forte tonalidade sindical conseguiu mobilizar peritos de todo o país a partir de Minas Gerais, depois Rio e São Paulo, Rio Grande do Sul para derrubar o modelo que estimou-se responsável por cerca de 4 bilhões de Reais de desperdício anual (custo fila). A aventura teve um custo elevadíssimo, desacreditou a perícia, enfraqueceu o Estado e, em 19.02.2006 foi definitivamente sepultado. Definitivamente?
Se a solução proposta aos SST na última reunião para "resolver o problema da perícia" é o credenciamento de médicos para essa atividade, depois de tudo o que o INSS já passou na mão desses credenciados, então este blog seguirá a linha de raciocínio e propõe para que se "resolva o problema do INSS" credenciamento de gerentes executivos, diretores e presidentes para esta autarquia.
O problema não é da "perícia médica", é da GESTÃO da perícia médica. Se tercerizar é a solução, que se terceirizem os cargos de direção do INSS.