ENUNCIADO PERITO.MED 04/2012
"É dever do INSS e direito do perito médico e do segurado que a análise do pedido de auxílio-doença seja formal e oficial, nos termos da lei 9.784/99, e que para cada pedido seja montado um processo capeado ou eletrônico que mostre cronologicamente todas as etapas feitas do benefício pleiteado. É ilegal o INSS exigir que o perito analise um requerimento sem o processo montado. O SABI não é um processo eletrônico e nem possui certificação digital sendo apenas um sistema digital de cadastro e armazenador de laudos médicos."
Ementa:
"O processo de pedido de auxílio-doença é administrativamente chamado de benefício por incapacidade. Como todo processo administrativo, ele deve seguir a norma federal expressa na Lei 9.784/99 e ser devidamente capeado e montado em ordem cronológica de apresentação documental, como todo processo dentro do INSS e no governo é feito. É proibido ao INSS obrigar que um servidor analise parte ou o todo do processo administrativo sem que ele esteja em mãos do processo inteiro, sob pena de prejuízo na análise. A perícia médica é parte do processo de benefício por incapacidade, logo é mandatório que o perito tenha em mãos o processo inteiro, ou sua versão eletrônica. O SABI não é um processo eletrônico, não está homologado nem estruturado para tal e não possui as mínimas garantias de segurança digital necessárias em Lei para ser considerado como tal. O hábito em várias gerências executivas de mandar o perito trabalhar apenas com o conteúdo do SABI e "alguns outros documentos" trazidos de forma avulsa pelo segurado é criminoso, sendo uma herança maldita dos tempos da terceirização e deve ser abolido pelos peritos médicos. O processo capeado é um direito constitucional do cidadão a ser atendido, do servidor que irá analisar o pleito e do governo que irá conceder ou não o solicitado e não pode ser sublimado por nenhuma desculpa por parte do gerente do INSS."
Fundamentação Legal:
Lei 9.784/99
Lei 8.213/91
Lei.8.112/90
MPV 2.200/01
Decreto 3.048/99
IN 45/2010
RES 151/11
OIC 04/2006
OI 170/07
OI 182/07
Toda a vez que um cidadão procura o INSS e faz um requerimento é dever do servidor formalizar o pedido ou requerimento e protocolar esse requerimento através de um processo físico capeado ou , eletrônico, se disponível, que irá conter toda a história daquele pedido, desde seu início até sua finalização e todos os trâmites e documentos arrolados durante o processo de análise do pedido, que tem prazos individuais por servidor e coletivo por requerimento para a sua conclusão. A abertura do processo se configura no direto de requerer. Requerer é diferente de ter. Para ter o que pede, o processo terá que ser analisado por servidores empossados por Lei para cada tipo de análise necessária dentro dos prazos legais.
Esses prazos variam de 30 a 60 dias e, em casos extremos, podem ser prorrogados mediante justificativa administrativa. O processo servirá de base para o reconhecimento administrativo de algum direito ao cidadão ou será arquivado, tendo a pessoa o direito de vista e cópia de seu todo ou parte. Em caso de recurso, o mesmo processo será apensado ao recurso (original ou cópia autenticada por servidor) para que a via recursal fique plenamente ciente do que houve e se o pleito é cabível ou não. Em última análise, o cidadão poderá pedir mudança do parecer administrativo na Justiça e o Juiz irá de pronto pedir ao INSS o processo administrativo para poder iniciar o julgamento.
Todas as etapas acima descritas estão previstas nas leis que regem a administração pública no Brasil, em especial a 9.784/99. Todo o requerimento no INSS é feito desta forma, MENOS o pedido de auxílio-doença, que em algumas gerências foge a essa regra e é processado na mais absoluta ilegalidade e informalidade. Para entender o porque que isso ocorre, precisamos lembrar uma história.
No final da década de 90, após as políticas de arrocho salarial e previdenciário em especial a Emenda Constitucional nº20/98, houve uma explosão de pedidos de aposentadoria devido ao medo de perda de direitos. Além disso, para quem a aposentadoria passou a ser algo mais difícil e na onda de desemprego que se sucedeu à crise de 1998, adivinha para onde a população correu?
O gráfico abaixo, feito pelo colega Eduardo Henrique, mostra o impacto dessas reformas no número de pedidos de perícia médica no INSS:
Bom, a explosão no auxílio-doença pegou o recém criado INSS despreparado, pois há muito havia a política de achatamento e massacre da classe servidora pública, em especial médicos federais. Sem médicos suficientes e sem como dar conta da demanda, a ideia óbvia de um governo privatista foi a de terceirizar o serviço de perícia.
Mas como fazer isso se a perícia era apenas parte-meio da análise? Como fazer a perícia terceirizada chegar às mãos do administrativo do INSS? Não se podia deixar o terceirizado entrar e trabalhar na APS senão ele ganharia estabilidade e vínculo trabalhista. Não se podia colocar administrativos para ficarem nos consultórios privados dos médicos terceirizados. O processo capeado não poderia sair da APS. O que fazer?
Simples: O INSS em 1999 criou um programa de computador chamado SABI, cujos bastidores da criação já foram explorados por este BLOG, e esse programa passou a agir como "agente administrativo eletrônico" dentro do consultório do médico.
A idéia foi genial, pois livrou administrativos de lidarem com o problema das perícias, deixou o médico sozinho com o segurado, o programa era carregado online e fazia toda a análise administrativa e o médico passou a fazer o laudo nesse programa e a impressão do resultado (CRER) já saia na hora da feitura do LMP, fazendo o médico assumir uma função que nunca foi sua antes.
Somente incompetentes poderiam pensar que isso daria certo. Como o médico recebia por perícia e não por salário mensal, ao invés de se dar 180 dias para uma pessoa, davam 30/30 dias e mandavam ele voltar mensalmente. Um segurado rendia vários pagamentos. Outro problema: Sem nenhum compromisso com o erário público, sem auditoria e sem fiscalização, sozinho dentro da sala com o segurado, foi fácil nascer milhares de esquemas de fraudes, isso quando para atrair segurados a concessão era infinita e propagada. Sabemos de vários casos onde o médico terceirizava o atendimento, "produzindo" em seu nome mais de 50 perícias por dia e ganhando uma fábula por mês. Mesmo a maioria honesta se via muito mais comprometida com o melhor para o "paciente" do que com a justiça e responsabilidade de servidor público, que não eram.
Além disso, o SABI nunca foi um processo eletrônico. Ele não possui certificação digital, não está em conformidade com a lei de segurança digital, MPV 2.200/01 e nem tem capacidade de armazenar eletronicamente todos os documentos apresentados durante o processo. Ele tem apenas duas funções: Armazenar dados digitados por algum servidor administrativo sobre cadastro e contribuições e armazenar os LMP com suas datas de fixação periciais. Com isso ele calcula automaticamente o direito e libera o benefício sem intervenção de alguma chefia. Basta um dado errado ou uma programação malfeita e pronto, o dinheiro público ia pro espaço.
O fato do INSS usar um sistema eletrônico (SABI) não homologado pela ICP-Brasil e sem certificação digital, que não se constitui em processo eletrônico, para processar pedidos, liberar pagamentos e reconhecer direitos sem a homologação de um chefe superior já mostra o grau de ilegalidade com o qual a autarquia previdenciária opera nos dias de hoje.
Como eram incompetentes, os criadores desse sistema maravilhoso de (indi)gestão do INSS demoraram mas acabaram percebendo o estrago que fizeram: Em poucos anos o auxílio-doença passou a ser o benefício mais demandado, a curva de perícias disparou e a fila idem. Ao invés de reduzir, foi para os píncaros por tanta ineficácia e facilidade juntas.
Então os gestores tiveram mais idéias brilhantes: Limitar o número de perícias por terceirizado foi uma delas. Baseado em um cálculo picareta de 20 minutos por atendimento pericial em 8h de serviço, tendo como base uma regra fictícia da OMS cuja mentira foi demolida pela colega Luciana Coiro em 2008, o INSS fixou o máximo de 24 perícias por médico. As 24 perícias, por incrível que pareça, nasceram para reduzir a carga e não aumentar. Mas isso era em um contexto de fraude descarada por parte de alguns terceirizados aliados a procuradores de segurados.
Mas as atitudes concretas só foram tomadas quando o gasto explodiu. E tinha gente dentro do INSS que insistia em manter o esquema como estava, por que será?
Precisou de uma greve heróica dos médicos peritos concursados, que durante esse período foram usados para homologar e tentar frear boa parte dessa sujeira, e precisou o MPF entrar na jogada para o novo governo mudar a regra e tornar a perícia pública novamente, o que só aconteceu em 2006.
Ai entra a questão que agora está em discussão: Se a perícia voltou a ser 100% dentro da APS, deveria então voltar o cumprimento da Lei e a formação dos processos corretamente etc etc, não? Não, isso não ocorreu. A terceirização entregou para o INSS em 2006 filas de 180 dias nas capitais com centenas de milhares de benefícios viciados e uma pressão enorme para se manter o "esquema". Mas o pior que a terceirização fez foi criar na cultura do brasileiro que o auxílio-doença era um encosto fácil, um direito automático e uma saída para os problemas de dinheiro da população.
Obviamente os administrativos não quiseram retomar esse tipo de trabalho após quase 10 anos longe deles. A solução foi fácil: Importaram o SABI para dentro das APS com todos os seus vícios, mandando médico entregar CRER dentro de APS e com aquela agendinha de 24 perícias por dia a ser cumprida sem sobras. Vários memorandos internos tentaram legalizar essa situação, seja a da entrega da CRER, as 24 perícias e todos os outros abusos, inclusive tentar chamar o SABI de processo eletrônico. Mas até para ser cara de pau existe limite, o INSS jamais conseguiu chamar o SABI de "processo eletrônico".
Algumas gerências se recusaram a atuar na ilegalidade e passaram a montar os processos e dar o trâmite correto, mas para gerências superlotadas como em São Paulo, isso não era opção. Não havia funcionários o suficiente e a quantidade de erros documentais que eram vistos diariamente no cadastro do SABI, se fosse para ser feito o rito administrativo, levaria a milhares de remarcações. A solução que esses gestores encontraram então foi o de manter o auxílio-doença na ilegalidade e enganar e coagir os médicos a atuar assim.
Como não há mal que sempre dure, tanta pressão fez alguns colegas acordarem e desse despertar nasceu o que hoje é chamado de movimento pela excelência, mas prefiro o nome original, movimento por autonomia.
Explicado porque até hoje algumas gerências insistem em manter o auxílio-doença na ilegalidade, sem processo capeado e sem formalização processual, vamos ao que a Lei diz:
Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1o Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.
(...)
Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;
II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;
III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;
(...)
VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
(...)
X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;
CAPÍTULO II
DOS DIREITOS DOS ADMINISTRADOS
Art. 3o O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
I - ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações;
II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;
III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente;
(...)
CAPÍTULO IV
DO INÍCIO DO PROCESSO
Art. 5o O processo administrativo pode iniciar-se de ofício ou a pedido de interessado.
Art. 6o O requerimento inicial do interessado, salvo casos em que for admitida solicitação oral, deve ser formulado por escrito e conter os seguintes dados:
I - órgão ou autoridade administrativa a que se dirige;
II - identificação do interessado ou de quem o represente;
III - domicílio do requerente ou local para recebimento de comunicações;
IV - formulação do pedido, com exposição dos fatos e de seus fundamentos;
V - data e assinatura do requerente ou de seu representante.
Parágrafo único. É vedada à Administração a recusa imotivada de recebimento de documentos, devendo o servidor orientar o interessado quanto ao suprimento de eventuais falhas.
(...)
CAPÍTULO VIII
DA FORMA, TEMPO E LUGAR DOS ATOS DO PROCESSO
Art. 22. Os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir.
§ 1o Os atos do processo devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com a data e o local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável.
§ 2o Salvo imposição legal, o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de autenticidade.
§ 3o A autenticação de documentos exigidos em cópia poderá ser feita pelo órgão administrativo.
§ 4o O processo deverá ter suas páginas numeradas seqüencialmente e rubricadas.
Art. 23. Os atos do processo devem realizar-se em dias úteis, no horário normal de funcionamento da repartição na qual tramitar o processo.
Parágrafo único. Serão concluídos depois do horário normal os atos já iniciados, cujo adiamento prejudique o curso regular do procedimento ou cause dano ao interessado ou à Administração.
(...)"
CAPÍTULO XII
DA MOTIVAÇÃO
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V - decidam recursos administrativos;
VI - decorram de reexame de ofício;
VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.
§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
(...)
Como se não fosse o suficiente essa lei para obrigar o INSS a abrir processos administrativos para cada pedido de auxílio-doença, temos a Lei 8.112/90, que dá ao servidor o direito de se recusar a cumprir ordem manifestamente ilegal (artigo 116), a Lei 8.213/91, decreto 3.048/99, IN 45/2010 OI 182/07, OI 170/07 , RES 151/11, OIC 04/2006 e dezenas de memorandos internos que tratam o auxílio-doença como um PROCESSO ADMINISTRATIVO em análise pelo INSS.
Não existe lei ou norma que isente o INSS de montar processo administrativo capeado para o auxílio-doença.
A exigência da formalização do processo de análise de benefício por incapacidade é um cumprimento da Lei, um direito do cidadão, um dever do servidor e uma obrigação do INSS, não cabendo nenhum tipo de desculpa por parte da autarquia para se isentar em cumprir este rito.
A formalização do processo de requerimento do auxílio-doença garante o devido direito ao cidadão, impede fraudes e faz justiça.
Vai prejudicar esquemas de atendimento em massa e fraudes em benefícios, é certo, mas não devemos nos preocupar com isso.
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