Por Francisco Carlos Luciani,
Perito Médico GEx Porto Alegre
Presidente da Associação Gaúcha de Peritos Médicos do INSS
Nos seis anos de experiência como perito médico no INSS, tenho me deparado com as mais variadas situações absurdas possíveis de imaginar, mas de todas as diversas aberrações observadas uma “opção gerencial”, que me parece proposital, é a que mais me incomoda e espanta.
Observo que pela política gerencial adotada pela instituição é interessante que o médico perito previdenciário seja mal visto, mal interpretado, malhado, agredido, culpado de prestar mal atendimento, culpado assim também, de desinteresse e sadismo para com os usuários do INSS.
Portanto, causa repulsa a constatação de que após presenciar e ter conhecimento de inúmeras ocorrências contra colegas peritos e demais servidores - ofensas verbais, ameaças, depredação de carro, dois assassinatos e inúmeras tentativas de agressão física – a instituição e seus gestores nada fazem de concreto pelos seus servidores agredidos, os potencialmente em risco de agressão e pela maioria dos demais usuários que nada tem em comum com os agressores mas são influenciados por uma campanha sem trégua contra uma categoria importante para o bom funcionamento na previdência social, patrimônio do trabalhador.
Chamo a atenção para a absoluta falta de ação do INSS em esclarecer a população sobre a função do perito e suas obrigações previstas em Lei. Até a denominação da maior demanda dentro do INSS o “auxílio doença” está incorreta e é uma das confusões que nos custa caro, pois avaliamos incapacidade para o trabalho e não doença. Portanto, deveria chamar-se “auxílio incapacidade laborativa”. Mas esta “mudança” de denominação parece muito difícil ao INSS.
É de pensar por que então o INSS não faz uma campanha interna e externa de esclarecimento da função pericial? Por que não melhora os indicadores de tempo de espera para realizar perícia com contratação de mais profissionais? Por que não “treina” estes profissionais que tratam “tão mal” os segurados? Por que não cria indicadores de qualidade do atendimento pericial, ou melhor, por que não usa os já existentes como o QUALITEC por exemplo? Se os peritos são “criminosos” agindo dentro do INSS contra os interesses da população por que a instituição nada faz? Por quê?
E mais, se for verdade a falta de “humanidade” dos peritos contra os usuários do INSS, por que não abrir PAD e apurar os fatos? O INSS tem mecanismos - processo administrativo federal previsto na Lei N. 9.784 de 29 de janeiro de 1999 - para apurar fatos ocorridos no âmbito da administração pública que pode terminar até na exoneração do servidor. A quem serve esta condição de caos reinante? Este conflito permanente? Esta perpetuação da queixa? Se o INSS não defende os peritos, por que então não esclarece as queixas destes usuários e na evidência de fatos pune oficialmente os culpados? A quem interessa esta verdadeira guerra aberta entre os periciados contra os peritos?
Esta condição de conflito permanente aparentemente sem solução serve para encobrir, disfarçar a incompetência administrativa e gerencial disseminada do 1º ao último escalão da administração do INSS. Se não é assim, por que não demonstra, pois para resolver a demora para realizar perícia, contrate-se mais servidores. A má distribuição de servidores é atribuição gerencial, corrija-a. A desinformação sobre a função e “poder” de decisão do perito, faz-se esclarecimento com campanhas informativas. O perito está mal treinado, não sabe o que está fazendo, treine o servidor. O perito atende mal, trata mal o usuário comprove por PAD, puna e se for o caso demita. O INSS tem poder legal de fazer isto. Por que não faz?
Isto não é feito porque o perito médico previdenciário apesar de não ter treinamento e de não ter como se capacitar, na verdade não atende mal e não toma decisões erradas, mas tem a função não compreendida até mesmo dentro do INSS, pela cúpula e pela maioria dos servidores da instituição. Uma minoria raivosa, muitas vezes composta de fraudadores traduz “indeferimento de pedido” em “atendimento mal feito” e faz barulho para parecer vítima criando inverdades e usando a violência como método de convencimento. O INSS se faz de cego, surdo, mudo e o perito paga o preço de estar afogado em trabalho, atendendo “com pressa”, com agendamentos a cada 15 min, menos até, para dar conta da demanda que é problema da administração, não do perito. Carrega o piano atendendo com 08% do quadro de servidores do INSS 70 % da demanda da instituição. E a administração do INSS “lucra” com esta confusão. Sua inércia, sua incompetência ficam “nubladas”, escondidas, pois para o público e a mídia o problema é a perícia médica, a pessoa do perito ou melhor: a pessoa dos malditos peritos, e por isso as agressões.
Muitos colegas médicos sentem um certo “ressentimento” dos usuários do INSS e colegas administrativos em resposta ao linchamento público do perito por parte da população e da própria autarquia. Pois quando o INSS cala diante de agressões contra seus servidores, luta para manter o “status” administrativo, o “modus operandi” consente, dando razão ao agressor.
Estamos caindo na armadilha dos gerentes incompetentes que nos querem como “fogo de artifício”, “bodes expiatórios”, distração da verdadeira causa do problema: MAU GERENCIAMENTO. A quem interessa perpetuar e aumentar a agressividade da população e dos usuários do INSS contra o peritos e demais servidores? A quem interessa deixar o peritos com medo e ressentimento? A quem interessa criar cizania entre os servidores médicos e os não médicos? A quem interessa fazer o médico perito, servidor público, ter medo do usuário e eventualmente ressentir piorando a relação? REPITO: isto serve para encobrir o MAU GERENCIAMENTO a INCOMPETÊNCIA. Não devemos compactuar.
Acredito sinceramente que não podemos cair nesta verdadeira armadilha. Defendo a prática pericial ética e tecnicamente excelente. Defendo que o usuário do INSS é um cidadão cliente que deve ser bem atendido na sua demanda. Deve ser bem recebido, com cordialidade e respeito, avaliado tecnicamente com zelo e cuidado. Deve ser visto no todo e na sua individualidade. Sua avaliação pericial deve ser primorosa, no tempo necessário, colhendo sua história, fazendo anotação dos seus documentos médicos apresentados e fazendo um exame físico adequado a cada caso. Tudo deve ser anotado no laudo pericial que deve ser claro, técnico, mas com linguagem acessível e conclusão técnica justificada. No final, o perito deve dar as orientações gerais sobre a entrega do resultado e acompanhar o cidadão que foi periciado até a porta da sala de perícia. O local de atendimento deve ser limpo, adequado e com possibilidade de discrição pois trata-se de avaliação médico pericial e há sigilo de interesse do periciado. A maioria dos usuários do INSS são trabalhadores em situação de penúria. Merecem respeito da instituição por nós representada. Independente do parecer técnico pela capacidade ou incapacidade o atendimento pericial deve ser assim, zeloso, parecendo e sendo zeloso. Denomino esta prestação de serviço ao cidadão de atendimento “padrão ouro”.
Como pode o perito fazer um adequado atendimento com agendamentos feitos a cada 15 minutos, agenda massacrante, sem variação de tarefas, em regime de pressão e estresse permanente e sem atualizações inclusive das normas gerenciais internas que mudam com frequência? O INSS argumenta, sadicamente, que já atendemos assim neste tempo mínimo e portanto há justificativa técnica para manter este “padrão de atendimento”. Chamo este atendimento sob estresse, sem amparo técnico dos Conselhos Regionais de Medicina, sob ameaças e tempo escasso até para escrever o laudo, sem tempo para “demonstrar” que estamos fazendo o melhor possível e sem dar a atenção que o segurado merece de prestação de serviço “padrão merda”, o padrão de atendimento defendido a todo custo pelos gestores do INSS com a conivência do MPF. Desta forma, ficamos com o fardo, a eterna culpa, enquanto a ineficiência administrativa e gerencial permanece encoberta.
Se não é isso, por que então o INSS luta na justiça para que os Conselhos de Medicina estejam IMPEDIDOS de fiscalizar a atuação médico pericial no âmbito da Autarquia? Chega a ser engraçado se não fosse trágico. É como se os engenheiros pudessem edificar para o INSS sem estarem devidamente registrados nos seus Conselhos de Classe e livres de sua fiscalização ou como se os advogados pudessem advogar para a instituição sem submeterem-se às normas da OAB. Coisa de doido varrido.
Por isto, rogo aos colegas peritos médico previdenciários: atendam bem o usuário do INSS. Eles são nosso objetivo de ser e existir. Vamos continuar prestando nosso trabalho com zelo, responsabilidade, cordialidade e educação que nos é peculiar além de não abrir mão um só segundo da nossa autonomia médica por obrigação de ofício. Tenhamos paciência com os colegas administrativos das APS sem cargo de chefia que também são usados: percebam que os vencimentos deles dependem também da nossa produção! Não vamos “brigar” com eles. Vamos continuar lutando pela autonomia médica, pelo atendimento de qualidade, no tempo e em ambiente adequados. No entanto, não vamos dar descanso aos chefes, gerentes, superintendentes, presidentes, etc. É com estes que temos que continua brigando. Com eles e com seu “padrão merda” de atendimento ao cidadão.