Particularmente eu nunca acreditei em discursos, de
qualquer natureza, que falem do ser humano sem a percepção oportuna, fatídica e
realística da presença constante de: trapaça, falsidade, fraude e engano nos
seus atos. Ora, sorrateiramente ou descaradamente, desde início, o homem é um
animal sub-reptício. Eva enganou adão e Caim enganou Deus no princípio. No planejamento, gerenciamento e execução dos
benefícios por incapacidade, o homem continua homem. Na Perícia Médica o homem
nunca foi tanto homem.
Exatamente por isso quando Sindicatos, Sociólogos, Médicos
do Trabalho, Procuradores e Peritos, enfim, todos que se aventuram a debater o
tema fogem com medo de encarar esta realidade invariavelmente caem no
precipício do descrédito. Por isso os protestos ridículos da Fundacentro contra
aulas no Congresso dos Peritos Médicos que abordavam simulação, fraude e
desconfiança ou as matérias midiáticas desavisadas e populistas colocaram suas
instituições em descrédito para mim. Ignorar, descartar ou negar a mentira é o
mesmo mentir. Assim é absurda a ideia de que o perito não pode e nem deve desconfiar.
Ele não só pode como deve.
O Perito Médico nada mais é que um o médico que é
pago para desconfiar. Não existe mentira, não há necessidade de perito doa a
quem doer. “Não tenho o direito tenho o dever, este é exatamente o meu trabalho”
respondi a segurada queixosa.
O que me espanta é que as pessoas se espantem com
isso. As mentiras estão no ar que respiramos. Ah! O que são os eufemismos? E
mentiras sociáveis, inocentes, cascudas, cabeludas e tenebrosas que escapam das
nossas bocas e para os nossos ouvidos diariamente desde um "Bom dia, tudo
bem! Obrigado", falado quando se está subindo pelas paredes de raiva, até
um "Deus te abençoe! Querido", ouvido quando a segurada aperta a mão
do médico se despedindo do consultório da perícia do INSS? Há uma mentira para
cada ocasião. Como não tenho direito de desconfiar?
Mas nem de tudo a mentira é algo terrível. Ela é
uma instituição neste país. Ela sustenta a nossa democracia adolescente. Ela
sustenta nosso sistema de saúde. Entre os homens a mentira é essencial para a
convivência pacífica das partes quando falam das suas pseudovitórias e
aventuras amorosas desvairadas. Entre as mulheres a falsidade é tão pura,
natural e bonita que elas decerto não se toleraríam sem esta por muito tempo.
Fatalmente seria impossível a convivência quando mentem sorridentes sobre os
seus carinhos mútuos, roupas, bens, maridos e caprichos. Chamar uma senhora de
66 anos de “nova” é uma excelente forma de mostrar o seu poder de sedução.Infelizmente
quando mentir envolve dinheiro e doença nada é tão simples.
Não quero ojerizar a mentira tanto porque decerto
esta é uma das poucas certezas da vida assim como a ingratidão, a morte e,
claro, os impostos. Neste conceito alinho-me a outros pensadores estranhos que
assumiram publicamente quem tem que ser vigiado afinal é o homem honesto demais,
ou o que aparenta ser. Sempre desconfio de honestidade demais, embora
entenda que ela exista sim entre alguns raros exemplares da espécie.
Uma Perícia Médica, portanto nada mais é que um desonesto avaliando o outro. Não se ofendam
colegas, todos somos humanos e você não é diferente. O problema não mentir é
garantir que não se está mentindo. Por isso os segurados assinam no seu
requerimento abaixo do artigo 299 do código penal. Exatamente, sabendo disso e
por isso, Existe o crime de falsa perícia e o perito responde pelo seu trabalho
em praticamente todas as esferas de responsabilidade: administrativa, criminal,
ética e civil. Exato, a lei regula e impõe os limites da nossa "desonestidade pericial" porque
responsabiliza e nos empurra contra a própria consciência. Do mesmo modo a lei
tem que servir para frear e limitar a “desonestidade do
segurado”. Embora para raras pessoas a honestidade seja um dom nato, para a maioria, nada mais é que o medo da punição. Controle sobre o perito é tão
necessário sobre o controle sobre o segurado.
Para os segurados é um direito, para os Peritos, não
é questão de ter o direito, a desconfiança é a principal ferramenta de trabalho. Impedir
o perito de desconfiar é dar um garfo e uma faca para o cirurgião operar. Afinal,
perícia sem desconfiança é pura enganação de partes. Perícia que não incomoda
merece desconfiança. Eu desconfio dos segurados sim e esta é a minha espinhosa
função, mas fica difícil num país onde a mentira é a argamassa que o construiu.
Sem demagogia, por favor, gestores, operadores do direito, médicos estudiosos e
segurados: Perito Médico é para pago desconfiar da mentira mesmo. É o seu dever. É o seu direito.
Brilhante escrito! E não minto, he he.
ResponderExcluirÉ interessante perceber que o próprio conceito de simulação faz referência ao exagero, pois mentir um pouquinho faz parte da regra de convivência, como explica o autor. É natural que alguém que deseje uma compensação procure florear o que for de seu interesse e ocultar o que não for. Cabe aos peritos conviver naturalmente com isso, sem julgar com base apenas em uma ou outra manobra que identificou mentira ou exagero, pois, por trás delas, há uma situação real (muitas vezes incapacitante) a ser valorada.
Os casos mais difíceis são daqueles cuja dinâmica da personalidade os faz sentirem-se incapazes quando a maioria não se sentiriam. Exemplo, fobia social em cidadão que não a enfrenta e obtém ganhos secundários (afeto e/ou pecúnia).
ResponderExcluir- Se todos fossem honestos e não mentissem, então não haveria razão para o Perito existir! E se todos os peritos fossem honestos, não existiria tambem Auditoria!
ResponderExcluir- Mentir faz parte da natureza humana! E não há quem não minta!
Excepcional Heltron. Se todos fossem idôneos e imparciais não precisaria existir perito. Esse mecanismo de dupla-desconfiança é que norteia a sociedade humana desde o sempre. A alegação da segurada é de um ridículo de dar dó.
ResponderExcluirPARABÉNS !
ResponderExcluirTomara que nosso país comece a entrar na "maioridade" e entender que desconfiança FAZ PARTE da tarefa de quem faz perícia e de qualquer outra atividade que envolva COLETA DE PROVAS no intuito de verificar VERACIDADE DOS FATOS.
Arrebentou, Heltron! Parabéns. Abração.
ResponderExcluirFiz questão de postar o comentário do Dr. Heltron em meu facebook...
ResponderExcluirPrimor de texto!! Análise excelente. Enquanto existir mentira, existirá desconfiança e existirá o Perito [e a Auditoria]...