“Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. A liberdade não é um fim, mas uma consequência.” Tolstoi
O Perito.Med já abordou temas sócio-filosóficos como o Direito Inato a Felicidade Humana e o Relativismo. Precisamos ocasionalmente retornar às novas tendências para entendermos os comportamentos atuais. O primeiro tema surgiu na Europa no pós-guerra, quando os cidadãos da terra-arrasada passaram a receber direitos e benefícios para reconstruírem a dignidade outrora perdida e posteriormente a exigir, do governo, o seu estado de bem estar alem de, claro, responsabilizá-lo por suas mazelas. O segundo, fortalecido nos anos 60, destruiu os conceitos de meritocracia e autoridade e colocou todos os tipos de opiniões, teorias, hipóteses e leis, mesmo as absurdas, no mesmo nível da verdade científica conhecida.
Na prática produziram um homem moderno que tenta de todas as formas responsabilizar o governo pelo seu fracasso pessoal não sem antes de colocar a sua própria opinião no mesmo patamar de um especialista no assunto. Criaram um cidadão que é sedentário, fuma e bebe diariamente, não toma medicações prescritas, e põe a culpa da complicação do infarto, com ar de segurança e autoridade, no governo e nos agentes médicos que atrasaram 30 minutos para atendê-lo na urgência. Criaram um cidadão que nunca se preocupou com questões previdenciárias e posteriormente, no outono da vida, culpa o governo por seu infortúnio. O governo teria obrigação de tratar da mesma forma os que fazem sua parte e os que não fazem.
É isso. Os cidadãos hodiernos não aceitam infelicidade como fazendo parte do processo natural do viver, nem mesmo os que vivem irresponsavelmente, tampouco aceitam ter as suas opiniões em patamares inferiores aos de quaisquer autoridades, inclusive a científica que costumeiramente convencia seus pais. Do outro lado temos médicos despreparados que aceitam, se dobram e se submetem aos tais. Como em todas as outras áreas do conhecimento, infelizmente a medicina, atividade científica por natureza, em minha opinião, perdeu sua autoridade há tempos e não está preparada ainda para esta “modernidade”. Ela não tem debatido sobre o processo talvez ocupada com questões básicas de sobrevivência.
A ignorância perdeu a modéstia e, pior, ganhou respeito e poder. O cidadão hoje quer ir ao médico para discutir sequer em patamar de igualdade, mas sim de superioridade. "Eu sei o que tenho", "Eu sei o que sinto", "Eu sei o que preciso" dizem como se comparecessem aos consultórios porque "pagam" a um carimbador de branco. Casos isolados de erros médicos, que sempre ocorreram no passado, embora não fossem expostos a mídia, e que ocorrem em todas outras profissões, têm sido utilizados absurdamente para justificarem tal comportamento. Como se fosse possível exercer medicina com desconfiança. Este comportamento tem se refletido em matéria médico-legal principalmente porque atua exatamente no centro da questão: contrariando opiniões pré-formadas. É tudo muito difícil, mas uma coisa parece ser certa: a única forma de sair sorrindo deste conflito é fazer exatamente o que o cidadão quer. E muitos já descobriram. De outro modo ser médico é extremamente exaustivo e cansativo.
Diariamente tenho visto no consultório pericial um comportamento que se reflete em todos os consultórios do país como divulgado na grande mídia: a valorização excessiva da própria opinião leiga. Uma paciente morreu numa maternidade em que trabalho. Em 48horas um familiar gritava, tinha certeza de ter havido erro médico, porque a cicatriz abdominal da suposta “cesariana” no corpo da querida era vertical e não horizontal. Toda população comprou a ideia. Sequer tinha havido cesariana e sim uma laparotomia de urgência pós-parto normal. Noutra maternidade um caso raro de “degola” fetal foi tratado como “crime hediondo” da equipe obstétrica. O vizinho, a sogra, a irmã, o colega de trabalho, o supervisor, o gerente... Absolutamente qualquer pessoa é capaz instigar, inflar, excitar um doente de que o médico está errado e ele, avaliador médico, está certo. Pior, alguns médicos "bonzinhos" e o próprio governo ajudam, por exemplo, com a “consulta pública” do INSS sobre tempo estimado de recuperação. Leigo opinando sobre matéria altamente especializada. Tudo tem a mesma origem. Democracia não é o colocar no mesmo nível o ignorante e o especialista, o nome disso é burrice. Nem no comunismo utópico é possível.
Para mim, o maior risco deste novo homem é a frustração. O segundo é o arrependimento. O terceiro é a depressão. Talvez por isso tanta patologia mental crescente. Assim estamos diante de pessoas que pensam ser infelizes por ações do governo, pensam que possuem razão nos seus argumentos superficiais e definitivamente hipervalorizam a própria opinião sem sequer cogitar a possibilidade de dúvida.O paciente precisa pensar mais sobre o que pode fazer sobre si mesmo e não o que o governo e médico devem fazer. Mais uma vez eu repito: a sociedade tem a medicina que merece e não a que precisa.
É preciso haver uma grande política social no sentido de frear a liberdade nas mãos da ignorância. Quer criticar mostre conhecimento, quer falar sobre erro então acerte várias vezes antes, quer julgar ouça as duas partes sempre, quer sorrir então chore primeiro. Precisamos resgatar o respeito ao estudo, a autoridade e o mérito. Sem isso a nossa sociedade está perdida.
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