Após desabamento, vítima enfrenta dívidas, desemprego e depressão
Júlia Dias Carneiro
Da BBC Brasil no Rio de Janeiro
Atualizado
Rosângela Touson e o marido, Flavio Gomes, perderam as empresas que tinham em um dos prédios que desabou
Desde o fim de janeiro, Rosângela Touson evita voltar à Avenida Treze de Maio, no centro do Rio. O desabamento do prédio de cinco andares que ela e o marido alugavam, dois meses meses atrás, não lhe sai da cabeça.
"Para mim ainda é muito difícil ir lá, porque não vejo mais o meu prédio, vejo um buraco."
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Rosângela tem 48 anos e há oito tinha no térreo do edifício uma loja de produtos naturais, Universo Natural. Nos demais andares ficava o negócio do marido, Flavio Gomes: uma empresa de Informática, Impress Toner, especializada em recarga de cartuchos.
O prédio que Rosângela e o marido ocupavam, de número 40 da Treze de Maio, foi um dos três que vieram abaixo no dia 25 de janeiro, derrubados pelo Edifício Liberdade, de 22 andares, o primeiro a ruir.
O desmoronamento acabou com as fontes de renda do casal, que tem duas filhas adolescentes.
As economias dos últimos anos vinham sendo reinvestidas em reformas e novos equipamentos. Com o desabamento, o casal ficou com muitas dívidas com fornecedores de quem haviam adquirido material antes do acidente.
Hoje, a família está vivendo "da solidariedade dos outros", diz Rosângela. Parentes têm ajudado a pagar as contas da casa, as escolas das filhas concederam bolsa integral e amigos doaram computadores usados e móveis de escritório.
Remédio para dormir
Vinte e duas pessoas morreram nos desabamentos, cujas causas ainda estão sendo apuradas pela Polícia Civil, Polícia Federal pelo Conselho Regional de Agronomia (Crea-RJ).
Rosângela diz conhecia todas as pessoas que morreram, já que eram clientes da loja. Após o episódio, ela foi diagnosticada com depressão grave pós-traumática. Toma calmantes para reduzir os tremores que sente e remédios para dormir. Quando dorme, sonha.
"Às vezes sonho que tudo caiu e só a loja sobrou. Ou que não caiu nada, e estou trabalhando", conta.
Rosângela sonha que sua antiga loja ainda está funcionando
"Também sonho com os dois mendigos que moravam na frente da loja e morreram. Eles moravam ali havia sete anos e eu lidava com eles diariamente. De tarde levava um lanche para eles passarem a noite. O Marcos, um deles, estava sempre sorrindo. Isso me abalou muito. Eles não tiveram chance nenhuma na vida, e a morte foi pior ainda", diz.
Ela guarda vários jornais com reportagens sobre os episódios, mas diz que ainda não conseguiu retornar a eles para arquivá-los.
Sem seguro
Tanto sua loja como a empresa de informática de seu marido tinham seguro. Mas Rosângela, assim como as demais pessoas que trabalhavam nos edifícios, se surpreendeu ao saber que o seguro não cobre casos de desabamento.
"Nós perdemos tudo mesmo. Quem imaginaria que algo assim poderia acontecer?"
Os computadores e móveis doados por amigos são alguns dos primeiros itens a ocupar a pequena sala que seu marido, Flavio Gomes, conseguiu alugar com seu sócio.
Eles estão tentando recomeçar a Impress Toner, em uma sala no número 41 da Treze de Maio, bem em frente ao edifício anterior. O proprietário dispensou o mês de aluguel.
"É uma ajuda. Foi com uma salinha que eles começaram, 15 anos atrás. Mas agora a loja já tinha quatro andares, muita mercadoria, equipamentos caríssimos. Não conseguimos recuperar nem uma caneta", lamenta Rosângela.
Ela diz que seu marido não gosta de falar sobre o desabamento; quer esquecer tudo e focar na reconstrução. Já ela não consegue pensar em retomar as atividades.
"As manhãs, para mim, são as piores. Porque eu levantava e saía para trabalhar, ia para a Treze de Maio. Hoje eu sinto falta disso."
Novo laudo
Ao ser diagnosticada com depressão, Rosângela recebeu um laudo de um psiquiatra para tirar seis meses de licença médica de sua empresa.
A emprresa do marido, Flavio Gomes, perdeu todos os equipamentos
Quando foi ao INSS para fazer a perícia necessária para receber o benefício, o médico não o concedeu.
"Ele falou que isso não era motivo para ninguém ter depressão, porque o que caiu foi o prédio, mas a empresa continua em pé. Falei que a empresa não continua em pé, a empresa acabou. O que tenho é um papel e um monte de dívidas a serem pagas", diz Rosângela.
Ela vai a pedir um novo laudo a outro psiquiatra e marcar novamente a perícia no INSS.
2 comentários:
Bem, o seguro da previdencia social tem como "bem" a capacidade laborativa não a falência, o desemprego ou a destruição do negócio embora seja perfeitamente plausível que sob estas circunstâncias os cidadãos estejam mais fragilizados e desenvolvam patologias mentais que podem ou não ser incapacitantes. Por fim, caso ela tem procurado assistencia médica, tenha sido constatada uma patologia mental em nível incapacitante e iniciado um tratamento psicofarmacológico certamente seria considerada inapta. Caso tenha alegado objetivamente o impedimento do trabalho por ter "perdido tudo" no desmoronamento, certamente não foi erro algum ter tido o seu requerimento indeferido. Eis o que é o trabalho pericial e a forma como se interpreta as situações.
Veja que ela fala "ia trabalhar na treze de maio".. É mais a perda da empresa com desmoronamento do que incapacidade laboral por depressão...
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