Juíza considera discriminatória dispensa de dependente químico (12/03/2012)
Se, por um lado, o empregador tem o direito de dispensar o empregado imotivadamente, por outro, o Judiciário tem o dever de reprimir atos abusivos ou discriminatórios no âmbito da relação de emprego. Cabe ao juiz analisar cada caso com sensibilidade, observando as nuances e sutilezas, a fim de alcançar a solução mais justa no caso concreto. A reflexão foi feita pela juíza Ângela Castilho Rogedo Ribeiro, titular da Vara do Trabalho de Ponte Nova, ao julgar o caso de um viciado em crack, dispensado por justa causa, sob a alegação de abandono de emprego. No entendimento da magistrada, a dispensa foi discriminatória.
A reclamada alegou que não sabia que o reclamante era dependente químico e que a justa causa foi aplicada porque ele abandonou o emprego. Mas a tese não convenceu a julgadora. Aplicando o princípio da continuidade da relação de emprego, ela explicou que o empregador deve provar de forma inequívoca que o término do contrato se deu por iniciativa do empregado ou em razão de falta grave por ele cometida. No caso do processo, a ré não conseguiu provar a falta grave. É que o reclamante não chegou a faltar ao emprego por 30 dias corridos, nem demonstrou intenção de deixar o emprego. Como observou a magistrada, a própria reclamada admitiu que o reclamante compareceu poucos dias antes da dispensa para dizer que estava com problemas particulares, sem previsão de retorno ao trabalho. Isso demonstra que ele não tinha a intenção de deixar o emprego. Por essa razão, a juíza sentenciante decidiu declarar nula a justa causa aplicada.
Após analisar as provas com a cautela que o caso merece, a magistrada se convenceu ainda de que a dispensa foi discriminatória. Ela constatou facilmente, pela aparência do reclamante na audiência, que se tratava de um dependente químico. "Dos atestados médicos juntados, depreende-se que o autor é viciado em substância psicoativa, o que, registro, é visível aos olhos de qualquer pessoa leiga de bom senso", fez constar na sentença. Para a juíza, ficou evidente que as faltas ao trabalho tinham relação direta com o vício. Prova em sentido contrário deveria ter sido apresentada pela empresa, mas não foi. A total frieza e indiferença demonstradas pela reclamada na audiência de instrução, diante da triste situação do reclamante, também chamaram a atenção da magistrada. Uma atitude que ela classificou como reprovável e lamentável. A conduta revelou uma discriminação velada. "Uma das piores formas de discriminação é a indiferença", registrou.
Para a julgadora, a empregadora não poderia simplesmente descartar o trabalhador do seu empreendimento, ignorando seu estado de saúde. Ao agir assim, deixou de cumprir sua função social. "A reclamada simplesmente fechou os olhos à realidade de seu empregado e o lançou à própria sorte, esquecendo-se de que toda e qualquer empresa deve observância ao princípio da função social, segundo o qual a empresa não é apenas fonte de lucro, mas também fonte de práticas sociais que favoreçam o meio no qual está inserida", frisou.
A magistrada também relembrou que, infelizmente, as discriminações veladas são uma realidade nas relações de trabalho. Dentre suas vítimas, destacou os portadores de HIV, os portadores de deficiência e aqueles que, de alguma forma, tiveram sua força de trabalho diminuída por alguma doença ou patologia. Nesse último grupo, incluiu os conhecidos "viciados em drogas". A juíza sentenciante registrou que a discriminação persiste porque ainda prevalece a ideia, ou preconceito, de que o viciado apresenta um desvio de caráter. Mas isso vem mudando, segundo ela, e, aos poucos, a questão passa a ser tratada como a doença que de fato é, um problema de saúde pública. A julgadora ponderou que se se tratasse, simplesmente, de "desvio de caráter" o Estado não teria excluído a pena privativa de liberdade para os usuários de drogas.
"Considerada a ordem constitucional vigente - que consagra o ser humano como o principal destinatário da ordem jurídica, impõe-se a adoção - por parte de todos o integrantes da coletividade - de toda e qualquer medida capaz de impedir que um ser humano acresça a escória da humanidade. Neste intuito, o papel das empresas é de extrema relevância, porque é fácil vislumbrar que, estando desempregado, o dependente químico tem maior probabilidade de ceder ao vício, lançando-se às margens da cidadania", registrou a juíza.
Por fim, a magistrada frisou que a vida e a integridade física são os bens supremos das pessoas. Por isso, a responsabilidade da empresa em relação ao usuário de crack, caso do processo, é objetiva, ou seja, pouco importa que a reclamada soubesse ou não do vício do empregado. E fez uma analogia: "Assim como a empregada gestante tem estabilidade no emprego desde a concepção até 05 meses após o parto, independentemente de o empregador ter ou não conhecimento da gravidez - tudo em prol da proteção à vida, também o empregado viciado em crack possui o direito de não ter seu contrato de trabalho extinto durante todo o período que se fizer necessário para a sua recuperação".
Com esses fundamentos, a sentença determinou a reintegração do reclamante, em função compatível com sua atual condição, e, após a reintegração, o encaminhamento ao INSS para o devido tratamento. A empresa não recorreu da decisão.
( nº 00351-2011-074-03-00-1 )
http://as1.trt3.jus.br/pls/noticias/no_noticias.Exibe_Noticia?p_cod_noticia=6316&p_cod_area_noticia=ACS
2 comentários:
-- Se está de alta do INSS, se passou mais de 30 dias sem aparecer no trabalho, a empresa pode demitir por justa causa.
-- Se a empresa não demite, se o indivíduo não está em benefício, já existe jurisprudência que diz que a empresa "foi conivente" com a situação e tem que pagar todo o período de "afastamento".
-- Neste caso a empresa pega de volta e envia pro INSS pra se tratar e recomeça o ciclo da nobre juíza...
-- Com a alta carga tributaria, as pequenas empresas que são a sua maioria neste país sobrevive às custas de muito malabarismo...Agora acatar algo que deveria ser dever do estado é outra coisa.
Que inversão de valores.... A empresa errou pois esqueceu que está no Brasil, onde o vagabundo e a vítima tem direito a tudo e o pagador de impostos tem que ficar na sua e cumprir a sua "missão social" de distribuir seu dinheiro com quem não trabalha. Deveria ter demitido na via formal, pago os direitos e pronto. Agora está amarrada, vai tentar empurrar a bucha pro INSS que vai devolver ou então pagar uma bolsa-tráfico para o drogado gastar tudo com crack, pra alegria do traficante local.
Viva o Brasil!! Senhora Juíza, inclusão social no dos outros é refresco... Por que a senhora não contrata ele para ser seu empregado doméstico? Teria coragem? Hipocrisia, aqui me tens de regresso...
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