DIARIOWEB
São José do Rio Preto, 9 de Março, 2012 - 1:50
Viciados usam dinheiro do INSS para comprar drogas
O dinheiro do auxílio-doença pago a dependentes químicos para ajudar no tratamento e livrá-los das drogas virou recurso para sustentar o vício, alimentar o tráfico, financiar a violência e incentivar a criminalidade. O caso da funcionária pública J., 32 anos, é apenas um dos exemplos dessa inversão de valores e do desvio de finalidade do programa. Dependente de cocaína, ela procurou uma casa de recuperação da região para tratar do vício. Para não perder o trabalho, recorreu ao INSS e conseguiu o benefício há um mês. Logo que recebeu a primeira parcela, em fevereiro deste ano, ela deixou o tratamento e voltou a usar o entorpecente.
“Gastei com droga e ninguém tem nada a ver com isso. Com o dinheiro na mão não dá para controlar”, confessou ela à reportagem do Diário, encerrando a conversa. Ela não está sozinha. “Não podemos controlar onde esse dinheiro é gasto”, diz Eduardo Hiraici Sadao, gerente executivo do INSS Rio Preto. Existem as honrosas exceções. Para não cair na tentação de gastar o dinheiro que recebe do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de Rio Preto com droga, o mecânico C.E.S, 32 anos, ex-usuário que já trocou um veículo avaliado em R$ 22 mil por um quilo de crack, decidiu tomar um cuidado especial e inusitado. Ele vai com a família sacar o benefício e toda a verba é depositada na conta da irmã.
“Hoje sei que estou bem, mas mesmo assim deixo o dinheiro com eles”, afirma o homem, uma das 784 pessoas que recebem auxílio-doença em Rio Preto e em outros 114 municípios da região. Assim como ele, muitos dependentes e ex-dependentes têm contado com a ajuda de familiares para vencer também esse desafio. Só em Rio Preto, o número de beneficiados aumentou 62% no ano passado na comparação com o período anterior. Em 2010 eram 145, enquanto no ano passado o número subiu para 235. Já na região, o acréscimo foi de 27%, saltando de 430 para 549.
O pagamento do benefício custa ao governo quase R$ 684 mil por mês para tratamento de viciados em drogas ilícitas, álcool e cigarro. Entretanto, a verba não garante que o beneficiário esteja em recuperação porque não é exigido o tratamento em clínica especializada. Portanto, sem o controle, a verba pode ser usada para alimentar ainda mais o vício. O aumento na busca pelo benefício é sentida nas clínicas especializadas. Somente na clínica do psiquiatra José Toufik Rahd, em Rio Preto, nos dois primeiros meses deste ano, mais da metade dos 51 laudos feitos por mês foi para viciados em drogas proibidas e álcool.
De acordo com casas de recuperação de Rio Preto e região houve também aumento no número pessoas que abandonaram o tratamento após conseguir o benefício, o que as obriga a adotar medida de informar o INSS quando acontece o abandono, a fim de que o pagamento do auxílio doença seja interrompido. A informação chega até a previdência, porém não é suficiente para o corte da verba. “Algumas (instituições) avisam, porém esse fator não é determinante para a cessação e sim a avaliação médico pericial presencial do segurado. A competência legal do INSS é reconhecer o direito a que o segurado tem e efetuar o pagamento”, afirma Eduardo Hiraici Sadao, representante do INSS.
Para ter direito ao benefício de auxílio-doença o segurado da previdência social precisa ter contribuído por no mínimo 12 meses, precisa estar registrado em carteira e ter a incapacidade para o trabalho comprovada pela perícia médica do próprio INSS. “É indiferente (de estar em uma casa de recuperação), pois a análise é quanto a incapacidade para o trabalho em razão de determinada doença, seja álcool, drogas ou outra doença qualquer”, afirma Sadao.
Há dois meses, L.R.N., 22 anos, afastado do trabalho por doença, conseguiu o benefício. Viciado em cocaína, ele não conseguia mais trabalhar durante o dia devido ao uso da droga durante a noite, muitas vezes até a manhã do dia seguinte. Parou a faculdade de publicidade de propaganda e se internou para recuperação. O dinheiro que ganha vai para as mãos da mãe, para evitar um possível desejo pela droga. “Aos poucos fui perdendo tudo e agora só recebo esse dinheiro do INSS. Deixo toda a quantia com minha mãe, para ela administrar. Aqui (na casa de recuperação) estou bem, mas não sei como será no mundão lá fora”, explica.
O mecânico C.E.S, de 32 anos, ex-usuário que já trocou um veículo avaliado em R$ 22 mil por um quilo de crack, leva a família para receber o dinheiro
Dinheiro faz surgir recaída
Nas três casas de recuperação da Associação “Pão Nosso”, em Catanduva, das 68 que fizeram tratamento no último ano e recebiam do INSS, apenas 29, menos da metade, terminaram a reabilitação. Nove pessoas abandonaram o tratamento assim que receberam a primeira parcela do auxílio doença e outras 30 deixaram a clínica na metade do tempo necessário para recuperação. A principal causa de recaída é ter do dinheiro na mão, de acordo com a psicóloga Armida Jacob. Para ela o êxito no tratamento só é conseguido quando a família monitora o saque do benefício e não deixa o dinheiro com o dependente. “Tivemos casos de um paciente que estava indo bem, mas depois que pegou o dinheiro do INSS abandonou tratamento”, disse.
Segundo padre Osvaldo de Oliveira Rosa, coordenador do Associação “Pão Nosso”, a associação é outra a informar o INSS da desistência do tratamento, o que não garante o corte do benefício. “A família tem de acompanha-los para evitar de deixem a clínica. Em 2010 tivemos muitos casos de abandono. Já no ano passado a taxa foi menor porque eles sabem que avisamos o INSS quando ocorre a interrupção do tratamento”, afirma.
Casos graves, só internação
A reabilitação para dependentes de álcool e maconha dura em média quatro meses e um tratamento ambulatorial, sem a necessidade de internação. De acordo com o psicólogo José Toufik Rahd, essas drogas são consideradas mais leves, portanto na maioria dos casos o tratamento com remédios e acompanhamento médico resolve. “Para essas drogas, mesmo sem a internação, a nossa margem de recuperação é muito grande”, disse.
Porém com drogas mais pesadas como crack e cocaína, a situação é mais crítica. O tempo médico para recuperação é de nove meses, porém nos casos mais graves, quando a dependência da droga está muito forte, só internação resolve. “Quando pacientes está comprometido, geralmente por crack, encaminho para internação. O tratamento ambulatorial não resolve nesses casos”, explica o especialista. Toufik Rahd afirma que a droga mais difícil de ser combatida é crack, devido ao seu poder devastação e da forte dependência que causa. “Se continuar do jeito que está, em breve vamos viver em um mundo de zumbis por causa do crack”.
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