sábado, 25 de fevereiro de 2012

TEXTO RECOMENDADO - REVISTA ÉPOCA

Um sábio que entendeu para que servem impostos

13:41, 24/02/2012
Paulo Moreira LeitePolítica, economia
Acaba de ser divulgado que a Receita Federal cravou um novo recorde de arrecadação para janeiro. O valor é 102 bilhões e representa uma alta de 6% em relação a janeiro do mesmo ano. Nunca se arrecadou tanto nessa época do ano.

Antes da turma do impostometro começar a disparar sua campanha em estilo Papai Noel, de quem quer pagar menos imposto com a ilusão de que os serviços públicos irão melhorar para todo mundo, não custa recordar as lições de Tony Judt, um sábio que morreu precocemente, mas deixou duas obras importantes sobre nosso tempo. A primeira, Pós-Guerra, retrata a construção do Estado Bem-Estar Social. A segunda, O Mal Ronda a Terra, descreve as consequencias socialmente malignas produzidas pela onda conservadora produzida na economia mundial e nas idéias políticas a partir de 1980, pela ação conjunta de Margaret Thatcher e Ronald Reagan. Com pouco mais de 100 páginas, ilustrado por gráficos ilustrativos, O Mal… é uma obra que se lê com facilidade. Foi escrito por Judt em seus últimos meses de vida.

O tom é de um manifesto em defesa dos valores da social-democracia, corrente do movimento operário que foi desprezada pelos comunistas como última barreira de defesa do capitalismo, mas tratada como esquerdista demais por muitos conservadores.

O mal que ronda a terra, explica Tony Judt, é a destruição do Estado de Bem-Estar. Longe de ser um fanático da estatização e da intervenção do Estado na economia, Judt é partidário da tese de que Estado e mercado pode se combinar em proveito do bem-estar da maioria das pessoas. Com números numa das mãos e idéias claras na outra, Judt acompanhou que as privatizações na Inglaterra de Tatcher e a desregulamentação nos EUA de Reagan. Suas conclusões: a) os serviços pioraram e se tornaram mais caros, mesmo em áreas de saúde e transporte; b) a carga de impostos diminuiu para a cúpula da sociedade, que pagava mais, mas ficou igual e até subiu para as camadas inferiores. Para além do aspecto econômico, porém, Judt tem a sabedoria de registrar o aspecto político. A privatização, ensina, implica num rebaixamento dos serviços públicos e do espaço de atuação da cidania sobre questões que dizem respeito diretamente a sua vida. Quando são prestados pelo Estado, a sociedade tem o direito de discutir seu conteúdo, sua finalidade, suas aplicações. Quando são fornecidos por empresas privadas, adquirem outra natureza. São mercadorias, que obedecem a outra lógica e são julgados por outros critérios.

Judt não é um nostálgico da estatização. Diz que é preciso ter honestidade para ver qual solução funciona melhor em qual situação.

Lembra que a qualidade de muitos serviços prestados pelo Estado chegava a ser ruim e o atendimento deixava a desejar. Mas, mesmo nessa situação, o cidadão tinha meios de cobrar e questionar. Também podia vingar-se na próxima eleição. No caso dos serviços privados, você está diante de uma empresa e do seu SAC. As moças do telemarketing podem ser atenciosas mas não há hipótese de alterar a situação. Neste caso, direito público passam a ser equivalentes a sabonetes ou marcas de biscoito.

Judt mostra que um dos argumentos favoritos para a privatização era a falta de recursos do Estado para manter investimentos. Observa, porém, que raras vezes o Estado deixou de gastar bilhões em recursos — que seriam repassados ao contribuinte — para financiar as aquisições pelo setor privado. Ele também mostra que, no momento em que os serviços deixam de corresponder às metas de lucro, inicia-se um processo de devolução ao Estado.

Judt desenvolve este raciocínio para demonstrar a importancia dos impostos e da saúde financeira dos governos. Mostra que todos os cidadãos consomem serviços públicos ao longo de suas vidas, em grande quantidade, e que é absurdo imaginar que não seria preciso pagar por eles.

Lembra o óbvio, o que é até necessário em situações de muita confusão ideologico: o imposto está nas ruas, na iluminação, na escola que voce frequentou (ou que seu empregado frequentou), no subsídio que fez a comida ficar mais barata e permitiu comprar remédios mais conta, na saúde pública que atende a massa da população que não teria como receber atendimento médico e assim por diante. Ele mostra que, ao contrário da lenda, o retorno dos impostos é real, pode ter um efeito multiplicador muito maior e seu caráter é socializador. (O caso notório é da saúde americana, um sistema privado que tem custos maiores e qualidades muito menores do que nos países onde é assumido pelo Estado). Outro caso é a previdência pública, única garantia de um fim de vida decente da maioria da população mais velha.

Você não precisa concordar com tudo o que ele diz. Mas certamente não vai perder seu tempo se resolver refletir a respeito.

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