segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

PONTO DE VISTA - SOBRE TRABALHO E ERRO MÉDICO-LEGAL (EML)

É sempre muito difícil falar sobre erro médico, pior ainda sobre erro médico-legal. É que, considerados teor e conteúdo, desde que não existam elementos inverídicos (falsa perícia art. 147 CPC), as conclusões dos laudos periciais, ainda que completamente divergentes, podem ser consideradas éticas e legítimas. Ou seja, independente do resultado final da composição de um laudo, para mesmo objeto de estudo, dois profissionais nomeados peritos médicos podem ter resultados opostos e terem agido com prudência, moralidade, honestidade e eficiência.

Sabendo desta possibilidade comum, como em toda medicina, o próprio Código Penal Processual (art.180 CPP) previu a nomeação de um terceiro perito quando na divergência entre dois peritos anteriores e ratificou que a autoridade julgadora, exatamente por isso, não estaria adstrita aos laudos periciais (art.182 CPP). Observemos atentamente que não é a posição objetiva do resultado de um laudo que o caracterizaria como potencial erro médico-pericial, muito menos a impressão do periciado ou de quem quer que seja. A responsabilidade pericial se acharia na análise subjetiva dos meios utilizados. Assim, se pode ter um laudo de resultado acertado, sem causar prejuízo a qualquer parte, porém cheio de erros e vícios técnicos. O contrário do mesmo modo.

Mas e quando Perito Médico erra?

A complexidade da responsabilização é tanta que uma mesma queixa contra um perito pode demandar processos em múltiplas esferas: ética, administrativa, civil e criminal. Esferas demais com punições de menos entretanto.

Bem, objetivamente o profissional médico perito poderia estar errado em qualquer etapa do processo.

Ainda antes da nomeação, por exemplo, o profissional poderia omitir que carece de conhecimento técnico e científico para o caso (art.424 CPC) e não alegar impedimento ou suspeição (art.423 CPC). Isso também é ratificado pelo Código de Ética Médica (art.118 a 120). Curiosamente no INSS não existe esta previsão administrativa, pelo menos oficialmente – exatamente por isso a sociedade inteira deveria lutar para que os códigos processuais fossem aplicados aos peritos do INSS.

Durante a análise do processo, a coisa piora um pouco mais, ficando quase impossível provar o erro pericial. Isso acontece porque ele se reveste de autonomia técnica, científica e funcional. Ou seja, cabe ao perito nomeado decidir quem ou o quê ele quer ouvir, ler ou escrever – todos os meios necessários (art. 429 CPC). Também ratificado pelo Código de Ética Médica que prevê nos seus Princípios Fundamentais a completa autonomia no exercício da medicina.

Assim, deixar de ler um exame ou entrevistar um acompanhante ou considerar um atestado caberia tão somente a sua própria interpretação. De forma geral, o perito poderia não valorizar algo que todos entendessem ser muito importante. Um exemplo claro disso são os exames de USG e RNM apresentados nos processos previdenciários. A propósito, caso a parte inconformada queira alertar e protestar a autoridade da conduta pericial pode ser submetida a outra perícia com outro médico no juízo. No INSS existe analogamente o Pedido de Reconsideração.

Obviamente que o perito que optar por confecção de laudo excessivamente superficial e inconclusivo perde sua credibilidade. E credibilidade em perícia é tudo – pelo menos deveria ser. Isso acontece nos tribunais e também entre os médicos da previdência. Infelizmente há colegas no INSS que dada a sua repetida despreocupação com aspectos potencialmente relevantes para o bom laudo entram no ciclo do descrédito – na chama "morte pericial".

Os mais graves dos erros, no entanto, parecem ser os conclusivos.

É vital a compreensão de que que o Erro Médico Legal (EML), em matéria previdenciária, não está necessariamente relacionado ao parecer desfavorável para o periciado como costumamos ouvir. Inclusive acreditamos que a grande maioria dos EML são favoráveis aos segurados quando o prejudicado é o INSS.

Embora a análise do caso seja extremamente subjetiva as conclusões periciais podem ser padronizadas e também precisam e devem ser bem fundamentadas (infelizmente não encontrei nenhuma citação em texto de lei que ratifique a necessidade de profundidade e qualidade do laudo pericial embora haja de associações diversas de peritos e, claro, da literatura técnica da medicina legal)

Para mim, este parece ser o grande problema da perícia médica em geral, inclusive a do INSS. Em todas as áreas de atuação, inclusive criminal, infelizmente a cada dia querem encolher mais o laudo pericial e torná-lo sempre mais automático. O suficiente para que seja respondido como um questionário de Revista Popular com apenas 3 palavras: "sim", "não" e "prejudicado". A tendência é forte e no INSS existe há cerca de 10 anos com a invenção do SABI, cada dia mais restrito e mais rápido. As vezes fico pensando na decepção de quem escreveu o texto que se acha no Manual do Perito de 2002:

“5.2 – Os dados obtidos nesse exame devem ser registrados no Laudo Médico Pericial (LPM), que é a peça médico-legal básica do processo, quanto à sua parte técnica. O servidor da área médico-pericial do INSS, ao preencher um laudo de perícia médica, terá sempre em mente que este é um documento decisivo para o interessado e para o INSS, destinado a produzir um efeito, podendo transitar na via recursal da previdência ou mesmo em juízo, com caráter de documento médico legal. Não basta examinar bem e nem chegar a uma conclusão correta. É preciso registrar, no Laudo de Perícia Médica, com clareza e exatidão, todos os dados fundamentais e os pormenores importantes, de forma a permitir à autoridade competente que deva manuseá-lo, inteirar-se dos dados do exame e conferir a conclusão emitida.”
Será que o enunciado acima tem sido cumprido nos últimos 10 anos?

Talvez por isso no Brasil se resolva menos de 10% dos homicídios e as perícias do INSS sejam tão conflituosa. Menos automatismo e mais fundamento é o que precisamos. De maneira geral tem havido uma pressão e preocupação desmotivada e excessiva para se entregar o trabalho pericial quando o foco deveria ser sempre a fundamentação detalhada. Infelizmente isso requer um tempo que ninguém quer pagar.

Potencialmente tudo o que confere dano ou lesão a outrem é passível indenização.

No RGPS embora o requerimento seja dirigido ao INSS - o responsável direto pelo indeferimento ou deferimento – ele se sustenta num parecer vinculante (que não permite outro resultado) de um perito médico institucional. Também há de observar que Perito Médico responde de maneira intransferível como médico que é e com autonomia plena inalienável que goza, apesar de tentarem usurpá-la.

O servidor Perito Médico pode ser processado por "ato omissivo ou comissivo", nos termos do artigo 122 da lei 8213, por "desatenção às normas legais pertinentes" nos termos do artigo 116 da 8213; no campo do Direito Penal, em tese, pode caracterizar crime de prevaricação o retardamento ou a realização de ato administrativo contra disposição expressa de lei (CP, art. 319); entre vários outros itens.


A Justiça Federal, de maneira geral, tem considerado improcedentes as ações civis e criminais regressivas contra médicos do INSS, não encontrei nenhum precedente, por entenderem que "O Estado é responsável pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, devendo a indenização cobrir os danos morais e materiais."

Não se sabe até quando....

Um comentário:

  1. Seu texto esta excelente no entanto é preciso algumas ressalvas:
    O INSS nao pode cobrar do Perito medico pois nao fornece plenas condições para o Trabalho:
    - O SABI limita o que numero de caracteres;
    - Estipula Perícias em serie;
    - Nao há tempo para confecção do laudo, o mesmo tem que ser confeccionado na Hora!
    - Estipula tempo para as PERICiAS, sendo assim o Medico trabalha sem autonomia de tempo;
    " pra cobrar seria necessário dar condições de trabalho!";
    O INSS, a seguradora do trabalhador brasileiro, detém a EXCLUSIVIDADE além da Obrigatoriedade da Contratação do Seguro em alguns casos específicos! O "contrato" esta exposto na Legislação de forma fragmentada! Portanto nao trata-se de Processo judicial propriamente dito, dai nao estar subordinada No caso especifico ao CPC! A subordinação é apenas no que concerne ao Ato Medico propriamente dito!
    Se vc trabalhador trabalha em condições Fordistas, se nAo possui autonomia plena, se errou mas nAo houve Intenção ou má fé, já era...

    ResponderExcluir

Os comentários, assim como os textos, são de responsabilidade de seus autores. Comentários ofensivos serão excluídos.