Sara Vasconcelos
Repórter
Se pacientes e médicos tivessem oportunidade de discutir a relação, o tempo e a forma como ele é usado nos consultórios seriam a reclamação comum a ambos. O longo tempo na espera pela consulta é inversamente proporcional à permanência no consultório. Em média, segundo relatos de usuários da rede pública e da constatação da TRIBUNA DO NORTE, o tempo gasto em uma consulta é de três minutos nos pronto-socorros da cidade. E não é só aqui. A tendência é mundial. De acordo com a pesquisa publicada no British Medical Journal, aos dezesseis segundos iniciais da consulta os médicos interrompem as queixas do paciente. O estudo revelou ainda que este 'não deixar falar' dificulta em 70% os diagnósticos.
O intervalo não permite que o paciente relate todos os problemas e faz do velho hábito de tocar, auscultar e conversar com o doente ser atropelado pela longa fila que se avoluma à porta e corredores. "O tempo no médico é algo entre as duas horas que você perde esperando e os cinco minutos entre o consultório e a farmácia ou o exame", resumiu a cobradora de ônibus Maria Cecília da Hora Souza, 37 anos. Ao final do atendimento em um hospital da rede estadual, a sensação era de não ter resolvido o problema. "Sai com um encaminhamento para outro médico e a mesma dor", afirma Cecília Souza.
A não realização do exame físico é queixa frequente e não se restringe a a rede pública. Em hospitais e clínicas privadas, usuários também lamentam a falta no trato e de contato com o médico. "Eles não param mais para tocar o paciente, o negócio é despachar o quanto antes e chamar o próximo", criticou o militar José Eugênio. O retorno para mostrar exames à ginecologista frustrou a usuária de plano de saúde Ana Maria da Silva. "Depois de duas horas esperando, ela só olhou, disse está tudo bem e me dispensou. Não perguntou sequer se havia novas queixas", afirma.
A pressa também fez um dermatologista e um infectologista receitarem para o tratamento de lesões na pele do estudante Bernardo Luiz Santana de França, 25 anos, o mesmo antibiótico ao qual apresenta resistência. Nos dois casos, exames apresentados indicavam a resistência. "Após mais de 20 dias de consumo sem resultado, mudei de médico, que enfim percebeu e mudou a terapia", afirma.
Em geral, afirma a recepcionista Luciana Sabrina Silva de Macedo, 29 anos, os médicos se detém em anotar e prescrever tratamentos e exames. "Essa foi exceção, me ouviu e tocou a minha barriga até encontrar o local da dor, antes de passar exames de sangue e urina. Ela suspeita de apendicite", disse enquanto esperava o resultado para retornar à médica.
Na manhã da quarta-feira, 30, a reportagem da Tribuna do Norte, sem se identificar, se submeteu a consulta num pronto-socorro da rede municipal - sem a mesma sorte que Luciana. Após a classificação de risco, para verificar a pressão arterial, a atenção dispensada aos pacientes no consultório podia ser medida pela insistente campainha que tocava em intervalo médio de três em três minutos. "É mais de um médico atendendo?", questionou um dos pacientes na sala de espera. A resposta veio - não só para a reportagem - ao sentar-se em frente ao médico. Quase sem levantar a cabeça, o profissional anotou as queixas e, sem qualquer exame físico, estendeu o prontuário com a prescrição da medicação e um requisição para realização de ultrassonografia. O medicamento indicado para a dor abdominal foi uma injeção do antiinflamatório voltaren, substituída após alertar o profissional caso de alergia. Não houve questionamento sobre restrições.
No consultório da rede privada, também sem se identificar, a Tribuna do Norte presenciou insatisfação pela espera. A média de atendimento, desta vez, foi maior, cerca de 12 minutos por paciente. A consulta levantou o histórico familiar de doenças, investigação sobre hábitos de alimentação, atividade física, tabagismo e consumo de álcool. No entanto, como na unidade de saúde pública, não houve exame físico feito pelo médico.
Bate-papo
Jeancarlo Fernandes Cavalcante, Presidente do Conselho Regional de Medicina do RN
O que leva a consulta médica ser tão rápida, cerca de três minutos por paciente?
A princípio as causas podem explicar mas não justificar. É impossível fazer uma história clínica, examinar fisicamente e prescrever um paciente nesse tempo. A explicação que não justifica pode ser o excesso de atendimentos, a pressão que o médico sofre dos pacientes que estão aguardando lá fora. Ele trabalha como se fosse no piloto automático. A consulta médica deve ser completa sob pena do paciente ter problemas com seu tratamento.
Os baixos salários que levam os médicos a terem mais de um emprego também influencia nessa pressa para atender, porque tem que chegar a outro consultório a tempo?
Eu acredito que não. Acredito que é muito mais o volume de pessoas e a pressão psicológica que a sociedade impõe para ele atender todas as pessoas naquele período. Atender mais, no serviço público, não implica em rendimento. Não é por produção. Tanto faz atender dez ou cem, como são assalariados ganham o mesmo salário no final do mês. Mas nada justifica uma consulta feita em três, cinco minutos.
Até que ponto a carência de médicos e a deficiência de infraestrutura na rede de saúde afeta na qualidade do atendimento?
A falta de estrutura dos hospitais pode interferir na relação médico-paciente por levar o paciente achar que o médico é o culpado de tudo. Se há três pacientes precisando de UTI e só uma vaga, ele avalia e envia aquele que considera mais grave. Sobre uma visão técnica a decisão foi correta, afinal ele só tinha uma vaga, mas para essas duas famílias que não foram atendidas o médico se torna o pior monstro.
Como seria uma consulta ideal? Há um tempo estabelecido?
Uma boa consulta é composta por uma boa anamnese (entrevista para descobrir queixas e histórico clínico e familiar do paciente), exame físico e a solicitação de exames necessários. O tempo depende. Se for uma consulta psiquiátrica leva em média uma hora. Já numa consulta o dermatologista, o médica vai analisar a lesão na pele e medicar. No caso de um atendimento de urgência, um paciente infartado necessita que o médico fique mais tempo com ele, peça um cardiograma, verifique as enzimas, ao contrário de um outro que esteja ali para extrair uma unha. O tempo de atendimento varia com o caso, não há nada que determine. E se alguma instituição quiser normatizar esse tempo é praticamente impossível, porque é a autonomia do profissional médico.
O que assegura uma boa relação médico-paciente e garantir um bom resultado?
Interromper o paciente nos primeiros segundos da conversa, provavelmente fará ele deixar de dar informações fundamentais ao diagnóstico seguro. A consulta ideal é aquela onde o médico escuta o paciente na sua plenitude e a partir daí formula o diagnóstico. O Cremern trabalha em educar o médico para ter uma boa relação médico-paciente. Se isso acontecesse, o número de processos contra os médicos reduziria consideravelmente. Percebemos que 60% dos casos de processos, o que ocorre é a falta de um boa relação.
Qual a demanda hoje de processos e reclamações contra médicos no Estado?
Não temos o número. Temos desde mau atendimento a erros médicos, diversas naturezas de processo. Muitas vezes o que ocorre é o mau resultado. Por exemplo, você faz uma cirurgia e mesmo feita dentro de todos os padrões técnicos, pode haver uma complicação, o paciente pode sangrar, infectar. Mas, pelo médico não ter uma boa conversa com o paciente anterior a cirurgia, explicar o que pode ocorrer, quando ocorre, o paciente interpreta como erro médico e acaba nos tribunais.
O exame físico é procedimento obrigatório, padrão, ou há casos em que pode ser dispensado?
O exame clínico necessariamente inclui o exame físico. O exame clínico é formado pelo histórico clínico do paciente, mais o exame físico. Ou seja, uma consulta onde não há exame físico é uma consulta incompleta.
Exames laboratoriais e de imagem antes de apontar um diagnóstico, medicar ou até tocar o paciente é comum nos consultórios.
Há uma inversão na ordem das coisas. Os exames são complementares ao exame físico. Não é aceitável que o médico peça exames antes mesmo de encerrar a conversar, levantar todo histórico de doenças, fazer o exame físico. Os exames de imagem ou laboratorial se houver dúvida no diagnostico deve se lançar mão dos exames complementares.
Nos pronto-socorros da rede pública se percebe um fluxograma de triagem, consulta inicial, encaminhamento para exames ou medicação e retorno ao médico. Esse formato é o indicado ou é uma logística usada para dar maior celeridade?
Eu desconheço que funcione dessa forma ou que exista uma padronização nesse tipo de serviço.
1)É inevitável se fazer o paralelo com a perícia médica que tem o mesmo problema da rede assistencial - inclusive os mesmos profissionais, porém, dada a relação de desconfiança e o indeferimento do requerido, tem uma repercussão muito mais negativa.
ResponderExcluir2)Curiosamente nunca fizeram uma análise de "qualidade" nas consultas do SUS. Observe que a de psiquiatria - uma das mais comuns do INSS - é relata como a que necessita de um tempo ideal de 1 hora. Há de se fazer também uma análise sobre o aumento de erros culposos pela pressão por quantidade de atendimento. É natural que estes aumentem. A perícia tem objetivo diferente, mas sofre a mesma pressão da Saúde.
Enquanto isso o Promotor não tem Ponto Eletronico, não tem atendimento de demanda livre e descança 60 dias por ano sem preocupação com honorários. Fica muito mais fácil falar
E claro, não se trata na rede pública e nem usa INSS.
ResponderExcluirAcho que uma grande revolução seria obrigar qualquer cargo de autoridade publica, a exemplo de países desenvolvidos, a utilizar o sistema público.
Vejam que os médicos do INSS tem tentado atender com melhora qualidade, mas o MPF não deixa. Tentamos atender pelo tempo que for necessário e com autonomia para tentar prestar um melhor serviço a população, mas a própria autoridade que deveria zelar pela qualidade do atendimento foi a primeira a entender como razoavel os menos de "20 minutos" de consulta.
O MPF por fim reclama das coisas que não aconteceriam se ele tivesse realizado o seu papel adequadamente. Se escutassem os médicos e se comprometesse com a qualidade e a redução erros, ao inves de querer que todos sejam atendidos. Ele cobra melhorias atendimento porém sem alterar a quantidade de médicos e sem aumentar o tempo de consulta.
ResponderExcluirO Resultado é o esvaziamento dos quadros de médicos de todos os servicos públicos... quem sofre?
O povo claro
Acooorda Heltron!
ResponderExcluirO Brasil não falta médicos! falta vencimentos condizentes com a responsabilidade!
O Brasil tem excesso de escolas médicas, muitas sem qualidades! Hoje, residente de GO mal faz uma cesariana, imagina o resto?
Os salários é de esmola! Tanto na rede pública como privada!
Os políticos não estão preocupados, principalmente deputados, o plano de assistencia médica deles é SEM LIMITES. Ficou doente, vai pro Albert Ainstein ou Sirio Libanes! Pro povão é o SUS!
Na sua cidade voce não vê o tanto de UBS, UPA e afins inauguradas? Mas chega la, não tem gente trabalhando, é so castelo sem trabalhador, por que será?
MPF quer aparecer Heltron, quer sair na mídia! Por que será que eles não cobram que os prefeitos não destinem o que deveriam para a educação? Para saúde? Já viu prender colarinho branco?
ResponderExcluirUm dos problemas, é justamente que o pronto socorro atende coisas banais, que deveriam ser atendidos em postos de saúde. Dessa forma, a única forma de atender todo mundo é diminuindo o tempo da consulta.
ResponderExcluirPelo que sei (não sou auditor), os atendimentos de urgência são melhor pagos pelo SUS que atendimentos ambulatoriais de baixa complexidade.
ResponderExcluir.
Por isto, não há intenção de melhorar o ambulatório para absorver estes atendimentos não urgentes. Se forem para os pronto-socorros, o gestor receberá mais dinheiro.
E se o cliente não melhorar e voltar no outro dia, o gestor receberá dobrado.
E se ele voltar no outro dia ... triplicado.
Se ele morrer ... bem, ninguém faz omelete sem quebrar os ovos, né?
.
Mas a imprensa quer saber de quem é a culpa!
Aí é só abrir um inquérito para ver se houve ou não erro médico.
.
E se ele for absorvido?
Com o tempo a imprensa esquece, e o povo também. E quem saberá que ele foi absorvido? para a população, só de abrir inquérito, ele já é o culpado.
.
E o médico?
Ele que se f...