“É impossível fazer uma avaliação correta do paciente em menos de 25 minutos.”
Revista Isto é 09.12.2011
A “Revista Isto é” disse semana passada que estaria provado que o modelo “Fast Doctor” (FD) não agrada nem ao médico e nem ao paciente. Também apresentou números de estudos que mostram que o grau de insatisfação bilateral é inversamente proporcional ao tempo de dispensado na interação destas partes no momento da avaliação. Bem, ela cometeu, no entanto, uma generalização que foi corrigida no seu próprio texto no comentário do Doutor Rogério Toledo. É que o FD desagrada, não a todos os médicos, apenas os “bons médicos” e, nem a todos os pacientes, somente os “bons pacientes”, por sinal, cada vez mais raros. A máxima da matéria foi “É impossível fazer uma avaliação correta do paciente em menos de 25 minutos.”. Ops!... Mas algo consensual vindo dos melhores profissionais? E porque o governo continua marcando agendamentos de 15 minutos então?
Eu não sei exatamente qual a resposta, mas sei que ela é fundamental para se debater sobre o momento atual do SUS e, claro, da Perícia Médica por extensão invariável. Para mim, a situação chegou aonde chegou porque os médicos bons, como estes ouvidos na matéria, ficaram inertes e passivos por muitos anos. Aconteceu pela anestesia política natural do excessivo trabalho, ou talvez pela falta de responsabilidade social por não enxergar no seu colega de 5 minutos uma extensão da sua própria profissão – tipo eu não sou como ele porque faço medicina de rico.
É impossível não fazer um paralelo desta evolução – ou involução? – da medicina com a Perícia Médica do INSS. Vivíamos a mesma situação do lado de cá. De repente um médico se rebela contra ela. Um iluminado, colega Fernando Ebling, que estudou e buscou argumentos e procurou o MPF para que não fosse obrigado a prestar um mau atendimento, rápido e sob condições inadequadas aos segurados do INSS. Exato. As bases do Movimento da Autonomia Médica (O MEP da ANMP) foram estabelecida exatamente pela indignação e revolta com o modelo SUS like. Foi a resposta oportunda dos bons para salvar a dignidade da Perícia Previdenciária. No SUS, talvez salvasse toda a medicina. Mas onde estão os bons da assistência?
A idéia gaúcha tomou forma e foi apresentada em setembro de 2009. As primeiras orientações da ANMP sugeriam 30 minutos por perícia médica e tinham como essencia o resgate dos valores médicos. Algo bem próximo do que os bons médicos entendem como adequado até o dia de hoje. Ou seja, o perito precisaria ouvir e ser ouvido, explicar e ser explicado. Infelizmente um erro de estratégia o fez ser confundido com moeda de troca no inesquecível 1 de outubro daquele ano. A fúria do governo, MPF e sociedade foi de tamanha violência para com o MEP que dezenas de conflitos jurídicos e administrativos foram travados na época. Na verdade, até hoje os bons peritos são chantageados para se renderem a qualquer preço. O MEP foi nada mais que a revolta dos bons – e corajosos. Toda revolta contra sistema opressor tem heróis e vítimas. Mas Onde estão os bons da assistência?
Bem, em matéria de saúde, existiria o Fast Doctor principalmente por pressão dos intermediários da relação: governo e planos de saúde. Na mesma matéria da “Revista Isto é” se pode ler que entre os principais fatores envolvidos estariam: a normatização pelo próprio ministério da saúde de que 15 minutos seria tempo suficiente para uma consulta, a baixa remuneração oferecida pelo ato médico e falhas na educação dos médicos e dos pacientes. Em matéria de Previdência Social, os nomes dos agentes são outros MPF e Governo. O Princípio é o mesmo: trocar a vazão da demanda pela qualidade.
Para mim, é tudo fruto da ignorância e má-fé. Do governo. Que tem no Ministério da Saúde um gestor cuja única visão é o próprio umbigo como resultado da análise limitada dos números enviados à distância. Que determina conseqüentemente que 15 minutos são suficientes para satisfazer ilusoriamente uma miríade de doentes. Que não monitora e não controla a qualidade da prestação do seu serviço fazendo com que uma mesma pessoa se consulte dezenas de vezes antes do diagnóstico acertado. Do MPF que utilizou de informações suspeitas como a procuradora que afirmou textualmente que a OMS recomendava 20 minutos de consulta. Que promoveu a terceirização da perícia. Que tenta derrubar a decisão judicial que garante a autonomia. Do médico. Que limitado e inseguro – fruto da má-formação - evita se aprofundar nas queixas dos seus pacientes e passa menos que 15 minutos porque simplesmente não consegue pensar em nada mais profundo - formular outras hipóteses além do trivial. Que apressado tem por objetivo “agradar” o doente realizando todos os seus “desejos” – já que explicar ou dar um "NÃO" requer muito mais trabalho que dizer "SIM". Que se submete ao ridículo de emitir atestados sem examinar. Que atende sorrindo com aperto de mão, mas rezando para que o paciente não faça outra pergunta. Que se submete a uma remuneração ridícula. Do paciente. Que não tem conhecimento sequer para questionar as orientações do médico e relatar a sua própria queixa. Que tem por objetivo aliviar o sintoma e não mudar seu hábito de vida. Que comparece ao médico exclusivamente por motivo diverso e que vai para pedir receitas de Rivotril para sua sogra ou um exame de tomografia para enxaqueca da esposa ou atestado para a perícia do INSS. Há relatos de assistente aqui que perguntaram: “O que o Senhor está sentindo?” E ouviram como resposta: “É que amanhã eu tenho Perícia no INSS”.
Chama a atenção na matéria a relação entre o aumento da quantidade de erros e ações na justiça e a redução do tempo de consulta. Ao que parece, se cava com as mãos e se enterra com os pés. Nada se resolve e o ciclo se perpetua. O paciente sofre. O Médico erra. O Estado indeniza. Ou seja, todos perdem. A única forma de se quebrar isso é o fortalecimento da medicina – que sequer consegue ser regulamentada por pressão de para médicos. Onde estão os bons no SUS?
Em paralelo, quando é que o MPF irá entender que queixas contra as perícias não tem relação com qualidade dos laudos? Quando o governo entenderá que a melhoria da qualidade dos laudos reduz filas? Será que há relação com as milhões de ações contra o INSS e o tempo de perícia médica? Isso se aplicaria? Não sei. Desconfio que sim. Será que alguém provará a nossa evidencia de que a perícia demorada reduz as filas ao invés de aumentá-las? Ah! Nem tão cedo. É que a Perícia Médica rápida é muito vantajosa para todos, ou quase, com exceção do bom perito – o único que pode de fato fazer algo. Por exemplo:
Imagine que um Perito Médico não entende bulhufas de Perícia Médica, mas precisasse descrever e se manifestar sobre a matéria num laudo – que ninguém lê por sorte dele. Sim. Este é superficial por obrigação e não por alternativa. O que faz? Para não chamar a atenção prorroga mais 2 meses. Depois por mais 2 meses. Até que anos depois um colega comprometido o cesse. É assim que as pessoas ficam anos em benefício.
Imagine que um Perito Médico é muito competente, mas precisa sair mais cedo para correr ao seu consultório privado. Ele simplesmente vai prorrogar o benefício em 5 minutos. Este usa o carimbo “deferimento” para “passar em branco” e evitar que seja denunciado internamente e aos órgãos de controle.
Imagine que um Perito Médico que não quer ter conflito - já que existe o parâmetro na sociedade – que o MPF adora - de que reclamações é sinal de mau serviço. Este sabe que contrariar interesses gera inimizade e atrito. Este não perde tempo, já sabe o resultado da perícia antes do paciente dizer o seu nome completo: “Deferido”.
Imagine um tipo de paciente chamado de “segurado” que, igual ao “doente” do Fast Doctor que busca objetivamente apenas do alívio de sintoma, tem por objetivo apenas que seu requerimento seja deferido e ir embora o mais rápido possível. Que faria questão que o atendimento do INSS fosse Fast in/Fast out.
Imagine segurados simuladores e falsificadores que estão irregulares com documentos. Estes querem a perícia mais rápida possível.
Imagine o interesse do Governo que pode aumentar ao máximo a agenda médica e agradar a sociedade com tempos de espera cada vez mais curtos e fingir que economizar dinheiro sem precisar de mais servidores – já que vai perder em benefícios indevidos e indenizações. Que estipula tempo de 15 minutos por consulta contrariando todas as orientações das entidades de médicas.
Enfim, absolutamente tudo conduz para que se tenha uma Perícia Rápida.
Se algo a fazer? Não sei mas, a solução - como sempre - está nos próprios médicos.
Que venham os bons!
Que venham os que não querem dividir as riquezas além das próprias dos colegas escondidas!
*A Auditoria de Perícia Médica de 2009 mostrou que os laudos mais completos em qualidade e mais detalhados eram os que concluíam por indeferimento. Embora acham indícios e fortes evidencias ainda não há um estudo que correlacione tempo de perícia com qualidade no laudo. Porque será?
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