O NTEP, que significa nexo técnico epidemiológico, é uma ferramenta legal criada para favorecer a identificação de casos de doenças ocupacionais (nexo entre doença e trabalho). A inovação trouxe ao cenário de embate entre trabalho-saúde/empresa-sindicato a inversão da necessidade de Provar o nexo (antes atribuída ao trabalhador) e, agora, a de provar que não há nexo (responsabilidade da empresa).
Para melhor compreensão geral, recorro a um exemplo hipotético. Consideremos o nexo entre ruído ambiental e hipertensão arterial. Estudos confiáveis demonstram que ruído aumenta a incidência de hipertensão arterial. Esta premissa, cientificamente demonstrável, explica porque em determinada metalúrgica há mais hipertensos que entre a população geral, composta basicamente por não expostos a ruídos excessivos. Imaginemos agora, que um determinado metalúrgico dessa empresa comparece ao INSS onde se comprova a hipertensão arterial. Isso bastaria para dizer que o cidadão é portador de uma doença ocupacional? Em sã consciência, não. É que Hipertensão arterial acontece em número muito alto de não expostos a ruído (até 30% da população adulta). É dificílimo, a partir de um dado coletivo (a evidência científica) aplicá-la ao caso particular. Meu professor João Gabriel diz que a estatística reflui diante da unidade.
Mas a lei do Ntep fez isso. Afirmou que a hipertensão arterial em uma empresa barulhenta é, salvo prova em contrário, causada por ruído. A isso se chama presunção de nexo a partir da ferramenta epidemiológica, ou nexo técnico epidemiológico. Se antes o perito tinha grande dificuldade em afirmar o que não podia garantir quando lidava com doenças prevalentes na comunidade, agora é o empresário que tem a dificuldade em afirmar o contrário. Para o perito, fim do dilema, já que o nexo lhe chega pré-afirmado por um instrumento definido e legitimado na lei, pleonasmo de ênfase.
Como a Previdência processa o Ntep?
Todas as empresas enviam mensalmente ao INSS toda a movimentação relativa a cada um de seus empregados por via digital em uma guia de nome GFIP- Guia de recolhimento de fundo de garantia e informações à Previdência Social. Neste documento consta o ramo da atividade econômica da empresa, apresentado através de um número conhecido como CNAE (cadastro nacional de atividades econômicas do Ministério do Planejamento/IBGE).
Do outro lado do fio, trabalham peritos do INSS. Quando eles inserem no sistema informatizado que certo segurado metalúrgico está com hipertensão arterial, o sistema faz o batimento entre essa doença (CID- Código Internacional de Doenças) e o CNAE da indústria metalúrgica e compara com a mesma doença nas demais atividades não metalúrgicas. Em fração de segundo vem a resposta: Hipertensão arterial neste cidadão é doença ocupacional, em outras palavras, o sistema caracteriza e atribui o Ntep.
Bases legais.
O Ntep foi criado por Lei 11.430 em 26 de dezembro de 2006, disciplinado pelo decreto 6.042 de 12 de fevereiro de 2007, que modifica o Decreto 3.048/99. Esta determina que o perito do INSS não tem nada a fazer, cabendo-lhe tão somente descaracterizar o nexo caso tenha elementos suficientemente fortes para isso. Qual perito pode garantir que o metalúrgico que examina está hipertenso por uma causa desconhecida (idiopática) se o cidadão trabalha em ambiente ruidoso? Não tendo esta certeza, seu dever é manter o nexo que a lei estabeleceu. Se antes afirmar era difícil, agora "desafirmar" é que são elas.
Curioso
O ramo da atividade econômica Indústria Automobilística não consta das listas B e, mais recentemente, C do Anexo 2 do Decreto 3.048/99. Em princípio, isso significa que nenhuma doença que se manifeste em trabalhadores dese ramo será considerada ocupacional através de Ntep. Parece que, por encanto, o ramo da economia queridinho do governo, não apareceu na listagem oficial... embora se saiba que a indústria automobilística é intensiva e exige esforços físicos capazes de favorecer doenças ocupacionais por sua própria natureza, assim a exclusão ou omissão do CNAE 2910 é muito suspeita.
Se isso foi algum tipo de favorecimento, como algum leitor pode pensar, não deu certo. É que a lista reflete o Ntep e não o contrário (alimentar o Ntep). O Ntep não depende da lista! Assim o batimento CNAE X CID continua acontecendo e foi criada uma situação jurídica interessante: Não está na lista mas está no sistema. Como resolver?
Ação 00384-2007-013-15-00-0, na primeira vara do trabalho de São José dos Campos em que a GM, a reclamada, recorre, é um dos que trás o tema Netep e Ind automobilística à baila.
O laudo pericial apresentado concluiu que o reclamante é portador de doença não relacionável ao trabalho (espondilodiscoartrose, artrose acrômio-clavicular e tendinite calcárea do supra-espinhal). Mesmo assim, a corte manteve o Netep, sob protestos da montadora que alegava ausência de seu CNAE no decreto 3.048/91.
O desembargador relator do processo Flávio Nunes Campos também estranhou a ausência da indústria automobilística da possibilidade de Ntep:
Essa ausência do grupo CNAE 2910 é, de fato, estranha, e as montadoras têm alegado que não podem ter doenças ocupacionais estabelecidas através da ferramenta epidemiológica legal, já que o referido CNAE 2910 não aparece na lista C do Anexo 2 do Decreto 3.048. A fundamentação é o princípio constitucional da legalidade (Art.37 da CF).
O que parece ter frustrado a eficácia do imaginado acordo para a retirada do CNAE é que o mesmo (CNAE) permanence nas entranhas do sistema. Não basta apagá-lo do texto do decreto. Ao ser alimentado automaticamente, o sistema SABI vai fazer os batimentos e apontar os nexos que, uma vez firmados, levarão as indústrias automobilísticas a protestar na Justiça, como no caso exemplificado. Se é que houve algum acordo, ele teria servido apenas para dar munição judicial para as montadoras de automóveis e não conseguiu impedir que as correlações entre doenças e trabalho continuem a ser feitas através do Ntep.
Para melhor compreensão geral, recorro a um exemplo hipotético. Consideremos o nexo entre ruído ambiental e hipertensão arterial. Estudos confiáveis demonstram que ruído aumenta a incidência de hipertensão arterial. Esta premissa, cientificamente demonstrável, explica porque em determinada metalúrgica há mais hipertensos que entre a população geral, composta basicamente por não expostos a ruídos excessivos. Imaginemos agora, que um determinado metalúrgico dessa empresa comparece ao INSS onde se comprova a hipertensão arterial. Isso bastaria para dizer que o cidadão é portador de uma doença ocupacional? Em sã consciência, não. É que Hipertensão arterial acontece em número muito alto de não expostos a ruído (até 30% da população adulta). É dificílimo, a partir de um dado coletivo (a evidência científica) aplicá-la ao caso particular. Meu professor João Gabriel diz que a estatística reflui diante da unidade.
Mas a lei do Ntep fez isso. Afirmou que a hipertensão arterial em uma empresa barulhenta é, salvo prova em contrário, causada por ruído. A isso se chama presunção de nexo a partir da ferramenta epidemiológica, ou nexo técnico epidemiológico. Se antes o perito tinha grande dificuldade em afirmar o que não podia garantir quando lidava com doenças prevalentes na comunidade, agora é o empresário que tem a dificuldade em afirmar o contrário. Para o perito, fim do dilema, já que o nexo lhe chega pré-afirmado por um instrumento definido e legitimado na lei, pleonasmo de ênfase.
Como a Previdência processa o Ntep?
Todas as empresas enviam mensalmente ao INSS toda a movimentação relativa a cada um de seus empregados por via digital em uma guia de nome GFIP- Guia de recolhimento de fundo de garantia e informações à Previdência Social. Neste documento consta o ramo da atividade econômica da empresa, apresentado através de um número conhecido como CNAE (cadastro nacional de atividades econômicas do Ministério do Planejamento/IBGE).
Do outro lado do fio, trabalham peritos do INSS. Quando eles inserem no sistema informatizado que certo segurado metalúrgico está com hipertensão arterial, o sistema faz o batimento entre essa doença (CID- Código Internacional de Doenças) e o CNAE da indústria metalúrgica e compara com a mesma doença nas demais atividades não metalúrgicas. Em fração de segundo vem a resposta: Hipertensão arterial neste cidadão é doença ocupacional, em outras palavras, o sistema caracteriza e atribui o Ntep.
Bases legais.
O Ntep foi criado por Lei 11.430 em 26 de dezembro de 2006, disciplinado pelo decreto 6.042 de 12 de fevereiro de 2007, que modifica o Decreto 3.048/99. Esta determina que o perito do INSS não tem nada a fazer, cabendo-lhe tão somente descaracterizar o nexo caso tenha elementos suficientemente fortes para isso. Qual perito pode garantir que o metalúrgico que examina está hipertenso por uma causa desconhecida (idiopática) se o cidadão trabalha em ambiente ruidoso? Não tendo esta certeza, seu dever é manter o nexo que a lei estabeleceu. Se antes afirmar era difícil, agora "desafirmar" é que são elas.
Curioso
O ramo da atividade econômica Indústria Automobilística não consta das listas B e, mais recentemente, C do Anexo 2 do Decreto 3.048/99. Em princípio, isso significa que nenhuma doença que se manifeste em trabalhadores dese ramo será considerada ocupacional através de Ntep. Parece que, por encanto, o ramo da economia queridinho do governo, não apareceu na listagem oficial... embora se saiba que a indústria automobilística é intensiva e exige esforços físicos capazes de favorecer doenças ocupacionais por sua própria natureza, assim a exclusão ou omissão do CNAE 2910 é muito suspeita.
Se isso foi algum tipo de favorecimento, como algum leitor pode pensar, não deu certo. É que a lista reflete o Ntep e não o contrário (alimentar o Ntep). O Ntep não depende da lista! Assim o batimento CNAE X CID continua acontecendo e foi criada uma situação jurídica interessante: Não está na lista mas está no sistema. Como resolver?
Ação 00384-2007-013-15-00-0, na primeira vara do trabalho de São José dos Campos em que a GM, a reclamada, recorre, é um dos que trás o tema Netep e Ind automobilística à baila.
O laudo pericial apresentado concluiu que o reclamante é portador de doença não relacionável ao trabalho (espondilodiscoartrose, artrose acrômio-clavicular e tendinite calcárea do supra-espinhal). Mesmo assim, a corte manteve o Netep, sob protestos da montadora que alegava ausência de seu CNAE no decreto 3.048/91.
O desembargador relator do processo Flávio Nunes Campos também estranhou a ausência da indústria automobilística da possibilidade de Ntep:
“Todavia, não se sabe o porquê, as montadoras ficaram de fora do estudo realizado pelo Ministério da Previdência, sendo que, após a edição da citada norma, a matriz do NTEP não foi mais atualizada, em desacordo com o previsto no artigo 10 da lei 10.666/03 c/c resolução MPS/CNPS nº 1.269/06 c/c lei 11.430/06. Importante ressaltar que a resolução MPS/CNPS nº 1.308/09, e sucessivamente, a resolução MPS/CNPS nº 1.316/10 alteraram apenas a metodologia de cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), preservando, contudo, a forma de cálculo do Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP), estabelecida e inalterada desde a resolução MPT/CNPS nº 1.269 de 2006 (na qual, por definição, o período-base [PB], ancorado no ano 2000, deve ter acrescentado um ano ao final de cada exercício)”.
Essa ausência do grupo CNAE 2910 é, de fato, estranha, e as montadoras têm alegado que não podem ter doenças ocupacionais estabelecidas através da ferramenta epidemiológica legal, já que o referido CNAE 2910 não aparece na lista C do Anexo 2 do Decreto 3.048. A fundamentação é o princípio constitucional da legalidade (Art.37 da CF).
O que parece ter frustrado a eficácia do imaginado acordo para a retirada do CNAE é que o mesmo (CNAE) permanence nas entranhas do sistema. Não basta apagá-lo do texto do decreto. Ao ser alimentado automaticamente, o sistema SABI vai fazer os batimentos e apontar os nexos que, uma vez firmados, levarão as indústrias automobilísticas a protestar na Justiça, como no caso exemplificado. Se é que houve algum acordo, ele teria servido apenas para dar munição judicial para as montadoras de automóveis e não conseguiu impedir que as correlações entre doenças e trabalho continuem a ser feitas através do Ntep.
Importância econômica do Ntep
Todos os ramos da atividade econômica têm um RAT (Riscos Ambientais do Trabalho - Anexo V, Decreto 6.042/07), número que representa a contribuição da empresa, prevista no inciso II do artigo 22 da Lei 8.212/91, e consiste em percentual que pretende refletir o risco da atividade econômica, com base no qual é cobrada a contribuição para financiar os benefícios previdenciários decorrentes do grau de incidência de incapacidade laborativa (GIIL-RAT). A alíquota de contribuição para o RAT será de 1% se a atividade é de risco mínimo; 2% se de risco médio e de 3% se de risco grave, incidentes sobre o total da remuneração paga, devida ou creditada a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos. Havendo exposição do trabalhador a agentes nocivos que permitam a concessão de aposentadoria especial, há acréscimo das alíquotas na forma da legislação em vigor. Estas alíquotas é que financiam o SAT (Seguro acidentes do trabalho).
Com Ntep, foi criado o FAP (Fator Acidentário de Prevenção), do qual deriva. Empresas com mais doenças ocupacionais que atuam no mesmo CNAE de outras com menos doenças ocupacionais devem ser penalizadas tributariamente e, ao contrário, as que investem em prevenção e melhoram sua situação dentro do grupo merecem ser bonificadas. Cabe ao FAP refletir o desempenho da empresa dentro da respectiva atividade econômica, relativamente aos acidentes de trabalho ocorridos num determinado período. O FAP consiste num multiplicador variável num intervalo contínuo de cinco décimos (0,5000) a dois inteiros (2,0000), aplicado com quatro casas decimais sobre a alíquota RAT.
Como a indústria automobilística é RAT 2%, algumas podem pagar 4% e outras até 1%, dependendo da sua posição relativa dentro do CNAE 2910.
Estamos falando em possível majoração na contribuição previdenciária de até 100% de toda a folha de pagamentos de empresas do porte de montadoras (de 2% para 4%), montante considerável.
11 comentários:
Parabenlizo Eduardo Henrique pelo excelent. Artigo.
Tenho uma denuncia que a Petrobras só admite o mesmo CNAE para todos os funcionário... Suspeitíssimo, vou investigar...
Como a Petrobrás driblou o NTEP...
Leia mais
www.aepetro.org.br/bol_07_02_09.pdf
Está no anexo indicado no link acima:
"No caso dos trabalhadores das indústrias, a exemplo dos químicos e petroleiros, nenhum CID previsto no
decreto 6.042 cruza com os CNAES das empresas do ramo, nas quais, inserem-se as unidades da PETROBRÁS".
Assina AEPETRO
Claro que é um absurdo e uma manobra usada pelo governo para livrar-se da responsabilidade. A pergunta é: Aonde anda o MPT?
NTEP manipulado e a Perícia Médica leva culpa...
Isso é Brasil! Você faz uma reunião fechando o acordo onde Governo e empregadores e estes ficam de fora do Sistema...Mas aí tem os CIDs "ninjas" pra chamar a telinha de "condições forçadas e gestos repetitivos" e pumba! Vira doença profissional, um B91 pra eles. Não é por que o Dr assistente escreveu um cid que o perito não pode achar que trata-se de outra patologia...E tem perito que sabe a listinha ninja...Ai o recurso diferentemente do NTEP, que quem avalia é perito, ai vai pra JRPS.
Eduardo envie uma cópia para Estadão, Veja,Isto é, Globo,e Época! além de uma ao MPT claro!
Excelente Artigo!
Muito esclarecedor.
Fica uma pergunta hipotética: Uma usina metalúrgica, seja por EPC,EPI ou até mesmo sua área administrativa, mantém os níveis de ruído abaixo do Limite de Tolerância. Nesse caso não há como se falar em relação Ruído x HAS, mas o CNAE permanece. É concedido o NTEP? Por que o Perito não emite o SIMA, nele solicitando também o PPRA com as dosimetrias de ruído, antes de conceder o Nexo?
Ten Catão:
O perito não emite o SIMA pq o nexo é presumido e não comprovado, e consta da legislação do mesmo o direito do empregador em solicitar a revisão da decisão, mostrando sua versão e suas provas. Ficou claro? Basta ler o decreto do NTEP e essas respostas são respondidas.
Agora entendi, Herbert.
É o Governo "tirando o dele da reta" para colocar nos pontos mais fracos: o Perito Médico Previdenciário e o Médico do Trabalho.
É mais fácil realizar uma aberração jurídica de inversão de ônus de prova, baseada em um estudo sem respaldo científico (até hoje não se abriu para consulta as bases científicas que norteiam o NTEP)do que aumentar o número de peritos Previdenciários remunerando-os merecidamente para que, na suspeita de Nexo Ocupacional durante uma perícia, possam postergar sua conclusão para realizar visita "in loco"
Agora entendi, Herbert.
É o Governo "tirando o dele da reta" para colocar nos pontos mais fracos: o Perito Médico Previdenciário e o Médico do Trabalho.
É mais fácil realizar uma aberração jurídica de inversão de ônus de prova, baseada em um estudo sem respaldo científico (até hoje não se abriu para consulta as bases científicas que norteiam o NTEP)do que aumentar o número de peritos Previdenciários remunerando-os merecidamente para que, na suspeita de Nexo Ocupacional durante uma perícia, possam postergar sua conclusão para realizar visita "in loco"
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