O Triste Fim de Dona Maria
Há algumas semanas atendi uma segurada com pouco mais de 50 anos. Ela tinha uma expressão triste e preocupada, a minha de atenção e espanto. No final da perícia trocamos de expressões.
Dos fatos:
1) Dona Maria sempre trabalhou como operária de fábricas. Acumulando mais de 20 anos de contribuição temporâneas e reconhecidas. Nos seus dados consta que em 1976, ela já tivera CNPS assinada em uma das grandes empresas do estado. Desempregada por curtos intervalos, ela trabalhara por outras 4 empresas do mesmo ramo e na mesma atividade, até que em 1997 se firmou na última empresa que assinou a sua demissão em Abril de 2011.
2) Contou-me que no ano de 2005, ela passou a sentir "cansaço" e dores fortes em ombro esquerdo que rapidamente evoluíram para impotência funcional. Trabalhou por cerca 3 anos até quem em 2008 procurou o INSS para requerer benefício por incapacidade. (Sim, é possível que ela exercesse atividades de costura em sua residência, mas nada deveria mudar). Pois bem. Ela recebera 2 benefícios por incapacidade pela mesma patologia, ambos do tipo acidentário (B91), antes da perícia inicial do terceiro requerimento de BI que iria mudar a sua história em meados de setembro de 2010.
3) Acumulando vários exames de USG e RNM nos benefícios anteriores confirmando lesões em supraespinhal, periartrite e bursite acromial durante os 2 anos de 2008 e 2009 compareceu pela terceira vez ao INSS para requerer BI. Antes tinha passado por vários ortopedistas que não encontravam solução para o seu problema, inclusive conseguiu mudar de função internamente por sugestão de médico assistente porém sem sucesso. As dores aliviavam e voltavam ainda mais fortes. Com quadro clínico se agravando e refratário a terapia instituída fora encaminhada finalmente para um dos raros Ortopedistas especializados em Patologia do Ombro na cidade em 2010. Uma esperança.
4) Requereu novo benefício por incapacidade (terceira vez) agora munida com um Atestado Médico do Ortopedista Subespecializado com os dizeres: “Paciente Maria tem Quadro Clínico compatível com Fibromialgia 18.08.2011”. Relata-me que fora encaminhada a Reumatologia e fez a Perícia Médica neste intervalo. O Perito Médico por fim acatara o Diagnóstico de M79.0 (Fibromialgia). Claro, não houve cruzamento de Nexo Técnico (nenhum deles). Acontece que ainda no AX02 a segurada retorna já com Laudo da Reumatologia (para a qual fora encaminhada) descrevendo: “Paciente Maria é portadora de Tenossinovite de Manguito Rotador compatível com Lesão por Esforço Repetitivo M75.1+M65 em 05.10.2010”. Ou seja, possivelmente uma patologia ocupacional diferentemente do que o especialista em Ombro pensara.5) A Segurada fez, no terceiro benefício, 4 Perícias Médicas quando após a melhora clínica esperada foi desligada para retorno as atividades em Janeiro de 2011; Trabalhou enquanto pode até Abril de 2011 quando foi demitida sem justa causa subitamente. Relata que insistiu que estava doente, mas ficou perplexa com a falta de sensibilidade da empresa sobre sua dedicação e condição ao ponto de procurar revoltada o Ministério do Trabalho para se queixar e, com todos os seus papéis, mas viu sua esperança minguar quando ouviu que, pelo menos a princípio não haveria nada o que fazer, sic, salvo lhe garantir o seguro desemprego. Dureza.
6) Ela foi usufrutuária do direito do Seguro desemprego e, ao fim deste, retornou a poucos dias para Perícia do INSS. Quando a vi pela primeira vez. Agora cansada, revoltada, deprimida, envelhecida, desempregada e desamparada (sustentava sua família sozinha). Relata que tentou procurar novamente emprego em outros 3 estabelecimentos sem sucesso.
O Caso de Dona Maria certamente não é único e se repete no Brasil afora. Mostra o quanto uma seqüência infeliz de decisões e omissões pode prejudicar o trabalhador. Mostra também o quanto a responsabilização disto é complexa. Primeiramente, observem a postura retraída e omissa do Médico do Trabalho que teria a competência (conforme o item 4.2 da NR-4) de eliminar e reduzir riscos ambientais, promover atividades de conscientização e orientação para prevenção de doenças ocupacionais; analisar e registrar as doenças do trabalho, emitir as CAT, entre tantas outras. Fato curioso é o completo desrespeito ao item 17.6.2 na letra (a) que diz: “quando retorno ao trabalho, após qualquer tipo de afastamento igual ou superior a 15 dias, a exigência de produção deverá permitir um retorno gradativo aos níveis de produção vigentes na época anterior ao afastamento”.
Depois observemos a postura do Médico Perito do INSS na questão vital da colocação do CID. O que deveria ter feito? Por um lado, dezenas de instituições defendem que se deva colocar o CID exato que o Médico Assistente instituiu. Do outro Peritos entendem que possuem a prerrogativa de colocarem o CID que pensarem ser o mais adequado. Observem que no caso o seguimento da opinião do Assistente Prejudicou o segurado. Isentaria a responsabilidade do Perito?
Alguém poderia perguntar o motivo pelo qual o segundo Perito do INSS, agora de posse do laudo do reumatologista confirmando se tratar de caso típico de LER, não alterou a espécie para B91 oportunamente. Ah! Seria simples, mas não é... Não é permito. A IN 31 de 10 setembro de 2008 é clara:
Art. 11 Quando dos exames periciais por Pedido de Prorrogação - PP, ou Pedido de Reconsideração - PR, de benefícios em manutenção, não serão apresentados ao Perito Médico os quesitos sobre as espécies de nexo técnico, haja vista que a eventual prorrogação decorre da incapacidade para o trabalho e não da natureza acidentária do agravo.
Parágrafo único. Os requerimentos de revisão e recurso tempestivos do segurado visando à transformação do benefício previdenciário em acidentário, serão analisados pela perícia médica e operacionalizados no SABI pela ferramenta Revisão Médica
Ou seja, a norma exigiria que o segurado REQUERESSE uma Revisão ou Recurso objetivando a transformação da Espécie do Benefício. Isso infelizmente não foi feito e nem orientado. Teria a trabalhadora participação na sua situação por omissão? Certamente não. Certamente sequer sabia sobre as diferenças entre os benefícios do INSS e suas repercussões. E quem lhe deu a mão? Ninguém. (off topic - Aliás, por falar em orientar. Esta semana ainda um colega Perito Médico teria sido chamado duramente a atenção por ter reencaminhado um segurado desesperado para um servidor administrativo para que “explicasse” um indeferimento por falta de qualidade de segurado. O administrativo, em sua defesa, teria sintetizado que não haveria nenhuma necessidade visto que na Comunicação do Resultado do Requerimento já viria tudo escritinho. Não é a máxima do absurdo?)
Observemos também a postura do Ministério do Trabalho, segundo o relato da senhora desempregada, Este teria analisado seus documentos e dito que não havia nada a se fazer porquanto a empresa teria cumprido as suas obrigações legais. "Como assim nada a se fazer?".
Não é interessante que atribuam ao Perito do INSS todos os prejuízos do trabalhador quando na verdade temos um sistema completamente doente em todas as fases?
Ao final, foi estranho para ela ouvir de mim, em poucas palavras, o que tinha realmente havido. Espantou-se quando alertei que se tivesse o Benefício anterior a demissão tivesse sido B91 a sua demissão poderia ter acontecido de outra forma ou não ter acontecido. Prestou muita atenção e inclusive anotou as palavras quando lhe orientei para requerer a transformação de espécie e disse: “Mas, Doutor porque ninguém me disse isso? E porque ninguém fez nada por mim?...”.
Neste momento trocamos nossas expressões do começo da Perícia. Ela ficou agora com cara de espanto e atenção e eu fiquei com uma triste e preocupada PERGUNTANDO-ME: “De quem é responsabilidade pelo Triste Fim de Dona Maria? Empresário, Medico do Trabalho, Médico Assistente, Perito do INSS, Auditor do Trabalho ou... do Destino?”
5 comentários:
Caro colega heltron, um segurado sofre um acidente em 01 de julho de 2011, entra com um pedido de pericia em 15 de julho de 2011, sua pericia e marcada para 01 de outubro de 2011, faz a pericia tem o beneficio concedido e so vai receber alguma coisa em 20 dias, sou medico perito igual a vc e considero isto uma absurdo!! sera que o dr Mauro Hauschild sabe disso??
Pior, o segurado arrimo de família se acidenta em 1 de fevereiro, é internado em estado grave, a família quando orientada dá entrada no pedido de perícia hospitalar em 14 de fevereiro, mas o SST não libera os médicos para esse serviço por falta de pessoal, o paciente fica 8 meses internado, recebe alta ainda em reabilitação, vai esperar mais 1 mês pelo menos até conseguir fazer a perícia marcada em 14 de fevereiro e se for indicado R2 ou LI ainda vai ter que esperar uma homologação superior. Se der sorte, começa a receber no Natal e a família fica desamparada o ano inteiro. A perícia de ofício, prevista em lei, é sumariamente ignorada pelo INSS. Se o Dr. Hauschild sabe disso? Claro que sabe.
deveria saber tambem que seus subordinados vao as audiencias sem nem ter solicitado uma copia do laudo pericial e sem ter o auxilio de um medico perito na audiencia!! Dr Mauro Hauschil faça jus a honra de ser gaucho e leve a tradiçao de honra e trabalho serio do rio grande, se tens a pretensoa de mudar a pericia que seja com honestidade e dignidade para medicos peritos, segurados e administrativos. que sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra
Sabe certamente, mas não penso que esteja tranquilo com isso.
Ao que consta a vinda do Dr Hauschild a POA no dia 13 teve como um dos Objetivos uma visita na Defensoria Pública do RS. Certamente para nova rodada de discussões sobre a ação judicial que pretende autorizar benefício sem perícia médica.
O INSS aposta no novo concurso como solução e coloca a esperança nos Procuradores, Juízes e no povo justificando um novo concurso para Perito Médico. Mal sabem que é mera ilusão.
O mesmo argumento foi justificado para outras ações e inclusive a terceirização. Os nomeados de 2010 pediram demissão ou sequer assumiram em quase 50%. Este ano não será diferente. Qualquer médico que lê as palavras ponto eletronico, 9horas de APS, sálário dependendo de fila e constantes ameaças de morte pensa duas vezes.
Há meses nós do perito.med alertamos que a terceirização aumentaria as filas como de fato, as regiões que tiveram mais médicos terceirizados não sofreram melhora no tempo de agendamento e estão até hoje represadas.
Caso a sentença de beneficio sem perícias saia, os administrativos enlouquecerão com tantos atestados médicos e CIDS ilegíveis, falsos e com tanta pressão por produção. E quem cruzará os nexos?
Em pouco tempo o sistema de Beneficio sem perícia triplicará a fila administrativa para homologação do atestado e tudo perderá o controle. Escreva.
Sobre a situação dos segurados desamparados. Entendo como lamentável. Eu fico sentido sim com todo pai de família honesto que fica desamparado por problemas do INSS. Na verdade fico desde coisas pequenas. Que tal o sujeito pegar seus últimos 30 reais do mês, comprar uma passagem para ir a APS, ficar sem almoçar e com sede e quando chegar lá não conseguir atendimento?
Qualquer solução efetiva que se aponte para os INSS passa pela valorização da carreira do Perito Médico do INSS. Isso inclui o chamamento de excelentes profissionais no concurso público. Treinamento adequado. Valorização da qualidade do laudo médico. Mais pode investigativo e científico. Autonomia plena funcional, técnica e científica. Enquanto isso não acontecer irão comemorar apenas o vácuo. Efemeridades.
Postar um comentário