Na última sexta-feira, dia 29.05.2010, tive oportunidade de ver um colega epidemiologista e perito do INSS (e médico do CEREST acreditem) apresentando várias planilhas estatísticas que comprovariam por números que “os peritos não estavam reconhecendo as patologias do trabalho”. Este trabalho teria sido apresentado a membros do MPT e representantes dos trabalhadores. Nele cada empresa (CNPJ) tinha listadas as quantidades de Benefícios Previdenciários por CID e Espécie (B31 e B91) e separadas em planilhas nos anos de 2007 a 2009. A constatação vinha do seguinte raciocínio:
1) Uma empresa de transporte coletivo tinha 45% dos seus afastamentos por patologias mentais enquanto uma empresa de construção civil – do mesmo porte (quantidade de funcionários) tinha 2%.
2) Já a empresa de construção civil, tinha quase 70% dos afastamentos por problemas osteomusculares e 15% por hérnias inguinais enquanto a anterior tinha 25% de patologias osteomusculares e nenhum caso de afastamento por hérnias inguinais.
Outro cruzamento apresentava o percentual dos CID como B31 e B91. Ele detectou que embora houvesse uma quantidade muito superior de CID F(patologias mentais) em empresas de transportes coletivos menos da metade era reconhecida como B91. Do mesmo modo quanto às patologias osteomusculares da construção civil e principalmente das hérnias inguinais que pareciam ser somente relacionadas à construção civil. Constatou também que embora tenha havido aumento importante no reconhecimento dos anos de 2007 para 2009 - era pós NTEP imediata, ainda não estava havendo de modo eficaz. "A Perícia Médica não estava reconhecendo as patologias profissionais" concluia.
Obviamente que não pude deixar de criticá-lo.
Acrescentei que antes de preocupar-se com o cruzamento dos CID, ele deveria preocupar-se com a população em estudo. Se o perfil biológico e sócio-econômico de um trabalhador da construção civil é o mesmo do transporte coletivo. Perguntei se as patologias em questão eram cruzadas no nexo epidemiológico e alguma alteração no cadastro – como colocar a profissão errada – fato comum - não poderia afetar o cruzamento dos dados. Falei inclusive que nas empresas existem trabalhadores que não tem qualquer relação com a atividade fim, administrativos e gerentes e isso deveria ser levado em consideração. Falei que o perito na APS não tem acesso a estes dados por empresas – muito bons por sinal – e que as avaliações periciais são em busca da exceção e que dezenas de exceções juntas não seriam uma nova em perícia médica. Por fim, alertei sobre o cuidado sobre o ano de 2007 quando ainda não existia a ferramenta em que o perito contrariava o nexo epidemiológico quando tivesse “certeza” de que não se tratava um benefício acidentário. De repente escutei aquela de outro colega: “Mas o perito não tem que ter certeza para marcar algumas coisas!”. “E quem paga o preço da dúvida então?” repliquei. Nenhuma dúvida é de graça. Nada sem uma assinatura embaixo pode ser uma certeza. Talvez uma Discerteza. Foi um tumulto com mais de 30 vozes simultâneas. *Discerteza – a incerteza é o contrário da certeza, a “discerteza” seria a desarmonia ou dissonância desta. Seria a certeza “quadrada”.
Ora, a alicerce do argumento é que uma das principais bases do ato pericial – qualquer que seja - é o seu compromisso com a verdade dos fatos. Sua razão de ser. Não sabe não responde. Não tem convicção não responde. É assim no mundo inteiro. A questão central é que existem indeferimentos por convicção e os que são apenas pelo preço amargo da dúvida. O Nexo Epidemiológico enviou a “conta da dúvida” para o empresário pagar o que aliviou a carga do perito do INSS, mas nem toda ela.
Entendamos. Não faz parte da atividade do perito médico do INSS a construção, atualização e reparação dos erros do NTEP. Ele não tem, do seu observatório, como ter a visão ampla dos dados sobre as empresas e nem avaliar a coletividade. Uma Perícia Médica é a análise de um caso. As probabilidades são perigosas demais nesta área. A visão do perito é pontual como deve ser. Jamais tratar ninguém como um número. É injusta a avaliação de quaisquer resultados de conclusões médico legais sem se avaliar caso a caso. Isso é a discerteza – o castelo feito de areia.
A questão é que para que o nexo epidemiológico funcione perfeitamente é preciso que haja a somatória de eventos harmônicos que vão desde a base de dados, passando pela colocação dos dados no requerimento da empresa como função (sim dezenas delas não se encontram na lista do INSS) e CID (há vários errados) até o perito do INSS. Uma simples falha neste preenchimento devolve o preço da dúvida para o médico que não quer pagar. Ele não quer marcar como acidente típico do trabalho ou doença ocupacional (nexo individual e profissional) aquilo que o NTEP não cruzou por suas falhas e lhe rouba a certeza ou elementos que a sustentam no seu juízo. Não é questão dos trabalhadores estarem errados ou ser contra eles. Provavelmente estão certos, é questão de não se poder provar. O que é bem diferente.
O perito é acusado de não reconhecer acidentes de trabalho, mas na verdade é apenas uma vítima do sistema como todos os trabalhadores lutando em busca de melhores condições de trabalho. Entregam uma tarefa difícil sem o equipamento adequado. Pedem para dar certeza sobre o que ainda não pode ver. Precisaria de mais tempo para analisar documentos, mais vistorias as empresas, recursos de informática, acesso a dados – muitos sigilosos como prontuários do trabalhador e serviço de investigação. Pelo contrário, todas as vezes que se tentou avançar neste sentido, a perícia médica não encontrou nenhum apoio da sociedade - com raríssimas exceções. Os trabalhadores querem algo que a perícia não pode dar: A Discerteza - a certeza pervertida.
19 comentários:
Excelente Heltron. Esse NETP é briga para sempre. Muito mau feito, apesar do objetivo inicial nobre (que empresas omitem CAT isso não é novidade). Agora querem pq querem ligar tudo ao NTEP> O perito marca, "sem certeza", e alguém paga o preço. isso é justiça social, trabalhista ou um grande de uma sacanagem sem moral? Se dizem que perito do INSS tem viés ideológico nas sua atitudes, eu digo que sim. Ideologia de fazer o correto e não a politicagem que vemos em outros lugares (como os CERESTS da nossa região por exemplo). Falta seriedade e boa-fé em muitos personagens nesse universo do trabalho. Tudo tem um preço. E o país vai pagar um alto preço se começar a tratar tudo pelo
achismo, oportunismo para aparecer e se dar bem, e ideologia política de alguns de seus "dirigentes" (nos diversos escalões).
Para completar, parece que o colega que vc citou nunca leu uma contestação de NTEP. Lá a empresa e a própria junta de recursos deixa claro a pergunta: como o senhor perito **tem certeza** desse nexo? Impressionante como esse colega, (epidemiologista???), peca na sua formulação de teoria. Será que "forçou" um pouco a situação? Ou não tem capacidade para observar, procurar e avaliar cada uma das muitas variáveis importantes do universo NTEP? Mas é assim mesmo. A turma de alguns CERESTs e dos sindicatos em geral, querem é que se reconheça. Se certo ou errado e quais as consequências, não interessa. Parece que querem é aumentar o nr de ATs (reais ou enviesados) e depois faturar em cima disso.
Difícil!!! Antes, as empresas desonestas sub-notificando acidentes. Agora, trabalhadores e seus representantes lutando para super-notificar. E o perito no meio.
Com certeza está havendo subnotificação por parte da perícia médica; quem está pagando por isso é a classe trabalhadora. Fazendo uma analogia, se a perícia médica trabalhasse numa oficina de conserto de tvs, o consumidor nunca iria ter razão, pois nunca haveria certeza de que o problema não foi causado pela empresa. Infelizmente é o que vemos atualmente. O colega perito epidemiologista está coberto de razão.
Há muita "preocupação" com as empresas e os trabalhadores estão sendo lesionados e não podendo provar o agravo devido à necessidade intangível de "certeza" exigida pelo perito médico do INSS.
Anderson Araujo.
Perito Médico INSS
Será que há o entendimento de que o perito, em questão de NTEp, não tem o papel de afirmar, mas de desafirmar?
Para afirmar com base nas listas o perito tem que ter razoável certeza.
Para a aplicação do NTEp que afirma é uma lei! Não é o perito quem afirma!
Caso o perito tenha outra explicação, ou a associação estatística da lei seja absurda diante da ciência, aí, e apenas aí, o perito derruba o nexo e fundamenta.
Precisa haver clareza nisso: quando a LEI do NTEP afirma, o perito só pode desafirmar se for FUNDAMENTADAMENTE.
Anderson, talvez haja mesmo. Oque não se pode é ignorar outras variáveis e principalmente o tramite do nexo. Se não abrir a tela do NTEP porque não houve o cruzamento dos dados é culpa do perito não querer assumir o preço da duvida?
Quer dizer o "achismo" vale para o trabalhador, mas não para o empresário, não seria melhor ter as ferramentas e o cuidado necessários?
1 de maio de 2011 14:59
Caro Eduardo,
No caso em questão é exatamente esse o ponto. O colega precisa ter o cuidado para saber se o indeferimento foi por convicção ou por dúvida ou por não instalação do nexo.
Sabe-se sim Eduardo. O cerne é que num percentil ainda alto não há o cruzamento no NTEP. Bastam CID e profissões serem informados erroneamente e o perito arca com o ônus da dúvida de novo. A questão de precisar ter alguma "certeza" para marcar foi muito discutida em 2008 quando o INSS acrescentou a ferramenta "Há elementos que justifiquem o não enquadramento?", ou seja, apenas com a "certeza" de que não seria um acidente ela contraria a informação.
O fato de não existirem hernias inguinais num empresa de onibus e existirem na contrução civil pode significar que seja uma patologia do trabalho, mas se o NTEP não cruzar a maioria dos peritos não reconhecerá; Ou seja, é preciso revisar a base do NTEP. A não aplicação por motivos diversos não pode ser entendida como "erro" pericial.
EH: será que as juntas de recurso sabem disso que vc diz? Pois eu já reconheci NEP, com fundamento bem registrado, e as mesmas (junto com as empresas) exigiam que eu provasse o que eu reconheci. Ora, se era presumido, pq eu, logo eu perito, que deveria provar?
Herbert, você não reconheceu NTEp pela simples razão que só lhe cabe derrubar, se tiver fundamentos para isso. Quem afirma o nexo epidemiológico é uma Lei!
Tenho visto empresas questionando que tal doença pode ser degenerativa, pode ser isso ou aquilo, e tal. Pode dizer o que quiser, se o nexo for uma possibilidade entre muitas e não tiver prova de outra causa bem definida o NTEp será mantido. É Lei!
EH,
Se eu não reconheci, se naturalmente não existia nada que me permitisse derrubar o reconhecimento automático do NTEP (lei), porque a Junta de Recursos, atendendo ao contraditório da empresa (mesmo sem a mesma apresentar dados e documentos que permitissem a derrubada do NTEP), exigiu que eu provasse que existia nexo? Foi aí que eu coloquei a interrogação de todo esse processo na minha mente.
Caros, como Eduardo disse, o nexo só deve ser afastado inicialmente em caso de CERTEZA DE SUA INEXISTÊNCIA; se esta certeza não existir, caberá ao perito manter o nexo (e aqui está o "x" da questão: muitos peritos invertem esta lógica e não reconhecem o nexo técnico - NTEP, NTP ou NTI porque não tem certeza de que há nexo). Os nexos funcionam como elementos de elevada SENSIBILIDADE (no sentido estatístico da coisa), para que evitemos os resultados falso negativos, pois dificilmente o trabalhador que não tiver reconhecido o B91 naquele momento (por sua própria condição) conseguirá mudar a espécie posteriormente.
Eu considero este o momento inicial (que eu denomino de momento do reconhecimento); depois, propriamente, surgirá o momento de decisão (que eu chamo momento de julgamento), quando diante das alegações do trabalhador e da empresa, o perito (seja na APS, nos casos de NTEP, seja nas JR, nos casos de NTI ou NTP, ou ainda recurso de NTEP)decidirá se realmente, naquele caso, há alguma evidência de (con)causalidade, mantendo o nexo ou afastando-o. Se o modelo funcionasse como deveria ser, teríamos, inicialmente, muitos falsos positivos, que seriam afastados posteriormente.
Infelizmente os peritos não estão cumprindo a norma e, perigosamente, tem deixado de aplicar o nexo em muitos casos, onde inicialmente A LEI MANDA que seja aplicado.
Olha, não é isso que está em discussão Anderson. O texto enfatiza que possíveis falhas do NTEP e na interpretação dos dados.
Uma vez cruzado o perito precisa seguir a lei. A questão é quando isso não acontece. Seja por patologias ainda não associada ou por erros no cadastro. Como já falei o número dos B91 subiu exatamente porque foi dado o preço da dúvida ao empregador e ao perito a certeza quando "não há nexo". No trabalho do colega acima ele fez o cruzamento por CNPJ sem preocupar-se com a função do segurado entre outras falhas. Entendo que a maioria dos peritos quer realizar bem o seu trabalho. Acho que o NTEP é imprescindível e genial. Agora ainda precisa ser corrigido.
Não discordando do Heltron, pois reconheço que são aspectos importantes, a questão do Herbert é muito boa. A sua resposta a esse tipo de pergunta, caro Herbert, deve ser o texto da Lei que criou o NTEp. Ela não te pede para explicar o nexo, ela afirma o nexo. Você não tem que concordar. Mesmo se você não concordar o nexo está lá, estabelecido em Lei antes de você ser consultado. Assim, não há porque te consultar depois. O que cabe ao perito no NTEP é apenas derrubar o nexo quando tiver argumentos bem fundamentados para isso, só. Como diz o Heltron, o empresário fica com a conta por lei e não venha chorar com o perito!
Em outras palavras, você explica a derrubada do NTEp; você não explica o NTEp.
Concordo contigo Eduardo. Mas não somente eu, como todos os meus colegas de que "reconhecemos a possibilidade de nexo", estamos sendo duramente questionados pelas juntas e advogados de empresas. Ora, não é conosco que devem brigar. Mas estão colocando pressão em cima de nós. Inclusive instigados por agentes internos... E mais: EU ESCUTEI de administrativo: "vc tem que responder em x dias ou a coisa fica feia para o seu lado". Coação em cima de coação.
Eduardo, vc é muito sábio e bem formado. O que fazer nesse caso? Devolver a "pastinha" sem responder à junta?
Agradeço a todos. Excelente discussão. Pressão de todo lado: funcionários promíscuos (dentro da casa) com relações muito íntimas com empresas (recebendo amiúde, representantes das mesmas - sempre as mesmas, dentro de sua sala); trabalhadores aprendendo o caminho do AT fácil (nem sempre real)para garantir estabilidade e outros ganhos, empresas omitindo acidentes... E o perito no meio, tomando a culpa de tudo (até por colegas bem intencionados).
Herbert, trabalho em uma JRPS e não tenho dificuldade em me posicionar como descrito.
Seu despacho pode ser algo como: "Nexo estabelecido pela metodologia epidemiológica da Lei tal.
Segundo o parágrafo tal, cabe à perícia se manifestar contrária QUANDO dispuser de elementos que o permitam. Não cabe ao perito médico explicar a metodologia legalmente definida.No caso em questão, em que pese todo o zelo demonstrado pelo empregador, não foi apresentada alternativa etiológica capaz de invalidar o nexo que tem razoabilidade legal."
Obrigado EH.
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