Pagamento de auxílio-doença cresce no país Folha de S.Paulo
23/04/2011 - 11h45
Especialistas desconfiam que estejam ocorrendo fraudes; governo argumenta que houve aumento no número de empregos formais.
Pagamento de auxílio-doença cresce 24%
O pagamento de auxílio-doença a beneficiários do INSS cresce fortemente desde novembro, o que pode ter impacto negativo nas contas da Previdência Social caso a tendência seja mantida.
Em fevereiro, o número de benefícios de auxílio-doença pagos pelo governo somou 1,4 milhão, o que representa expansão de 24,2% ante o mesmo mês de 2010. Trata-se da taxa mais alta de crescimento desde março de 2005.
Esse aumento recente marca inversão na tendência de queda na concessão do benefício, iniciada em 2006, depois de uma fase de descontrole entre 2001 e 2005.
O crescimento constatado nos últimos meses preocupa especialistas, que temem um possível afrouxamento na fiscalização do INSS.
"Não tenho evidência de qual é a causa dessa nova expansão. Mas será que as atenções para isso se tornaram menos intensas? Quando se tira o foco desse tipo de problema, ele volta", diz José Cechin, ex-ministro da Previdência Social.
A possibilidade também é levantada por Marcelo Caetano, economista do Ipea e especialista em contas públicas: "É difícil saber exatamente a causa desse crescimento acelerado. Uma hipótese que preocupa é a ocorrência de fraude", diz.
Remígio Todeschini, diretor de saúde e segurança ocupacional do Ministério da Previdência, nega afrouxamento na fiscalização da concessão do benefício de auxílio-doença.
Represamento
Segundo ele, o crescimento nos últimos meses é explicado principalmente pelo represamento nas concessões durante a greve de médicos peritos que se estendeu de junho a setembro de 2010.
"Nos meses da greve diminuiu o atendimento. E isso foi compensado depois, o que explica o resultado após o fim da greve", afirma.
Especialistas consultados pela Folha concordam que a greve possa ter levado a uma desaceleração nas concessões do auxílio-doença e que isso contribuiu, em parte, para o crescimento verificado depois de setembro.
Mas ressaltam que esse efeito de compensação não é suficiente para explicar a recente explosão no pagamento do benefício.
Entre janeiro e maio de 2010, a quantidade de novos benefícios de auxílio-doença concedidos pelo INSS cresceu 4,7% em relação ao mesmo período de 2009.
Durante os meses da greve, o volume de novas concessões ficou praticamente estável em comparação a igual período de 2009. Já entre outubro de 2010 e fevereiro passado cresceu 30,5%.
"Se fosse apenas efeito da greve, já deveria ter ocorrido uma desaceleração. A expansão no início de 2011 permaneceu forte", diz Caetano.
Para Luiz Carlos Argolo, presidente da Anmp (Associação Nacional dos Médicos Peritos), a terceirização da perícia ocorrida em consequência da greve pode ter contribuído para a tendência de crescimento na concessão do auxílio-doença.
Ele diz que a contratação de profissionais terceirizados ocorreu em setembro por prazos de até seis meses.
Má gestão
"Imputar [o crescimento na concessão de benefícios] à greve é um argumento muito frágil. Houve uma má gestão durante a greve, com a contratação de 300 a 400 terceirizados que não têm o mesmo compromisso de um perito concursado", afirma.
Todeschini nega que a terceirização tenha contribuído para a maior concessão de auxílio-doença. Segundo ele, os médicos terceirizados realizaram somente 120 mil perícias. Entre setembro de 2010 e fevereiro passado, quase 1 milhão de novos benefícios de auxílio-doença foram aprovados e passaram a ser concedidos.
Emprego formal eleva concessão, afirma governo
O crescimento do emprego formal tem contribuído para o aumento na concessão de auxílio-doença, diz a Previdência. "2010 foi o ano do "Pibão". Aumentou a massa de trabalhadores segurados", diz Remígio Todeschini, diretor do Ministério da Previdência.
Todeschini afirma que, em período de forte crescimento, o trabalhador é submetido a um ritmo mais intenso de trabalho, o que aumenta a propensão a doenças e acidentes.
Especialistas descartam a possibilidade de que essa seja uma causa preponderante do recente aumento nas concessões. Segundo José Cechin, ex-ministro da Previdência, o aumento da formalização já ocorre há alguns anos, o que diminui a probabilidade de que tenha contribuído para uma explosão na demanda por auxílio-doença só agora.
Cechin e outros especialistas, como Marcelo Caetano do Ipea, ressaltam que, se o crescimento da formalização estiver contribuindo de forma significativa para o adoecimento dos trabalhadores, é sinal de que parte dos empregos que estão sendo criados é precária.
INSS cobra empresas por gasto com acidente
O INSS tem ajuizado, via AGU (Advocacia-Geral da União), ações de cobrança contra empresas devido ao pagamento de benefícios previdenciários decorrentes de acidentes de trabalho. Segundo a AGU, a cobrança refere-se apenas a acidentes causados por imprudência da empresa.
Esse tipo de ação -chamada de ação regressiva previdenciária- começou a ser ajuizado com mais expressão em 2008. De lá para cá, a AGU entrou com 1.260 processos, dos quais 305 tramitaram em julgado, com 90% de ganho de causa ao INSS.
A AGU espera, com esses processos, recuperar R$ 200 milhões para os cofres do INSS. Já conseguiu, segundo o procurador federal Fernando Maciel, chefe de divisão do gerenciamento das ações regressivas acidentárias da PGF (Procuradoria Geral Federal), reaver R$ 1,6 milhão.
Essas ações visam ressarcir a Previdência de gastos com benefícios como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e até pensão por morte decorrentes de acidentes trabalhistas.
"As ações regressivas não são ajuizadas só em caso de acidentes fatais. Todo acidente que decorra do descumprimento de uma norma de segurança do trabalho pode acarretar em uma ação regressiva", diz Maciel.
Maciel diz que, antes de entrar com a ação, a AGU se assegura de que a empresa é culpada pelo acidente.
"Temos a colaboração da Justiça do Trabalho, por exemplo, que nos encaminha a cópia de processos trabalhistas movidos pelos segurados. Usamos esses processos como provas na ação regressiva."
A CNI (Confederação Nacional da Indústria) se queixa de que a ação regressiva cria uma dupla tributação para a empresa, que já paga o seguro-acidente, no valor de até 3%.
Além disso, há a incidência do FAP (Fator Acidentário de Prevenção), que pode tanto reduzir à metade o valor do seguro quanto dobrá-la, de acordo com o índice de acidentes registrado pela companhia.
Fonte: Folha de S.Paulo