domingo, 27 de março de 2011

GOVERNO DE OLHO NOS ACIDENTES DE TRABALHO

O GLOBO (RJ) • ECONOMIA • 27/3/2011 • PASTA ENERGIA

Construção e transportes, áreas com mais acidentes, serão setores prioritários

BRASÍLIA, PORTO VELHO (RO) e RIO. Embora o assunto tenha passado, nos últimos anos, longe das prioridades oficiais, o governo federal prepara uma ofensiva para reduzir o número de acidentes de trabalho em dois setores críticos: construção civil, embalado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e transporte de cargas. Empresas desses dois setores com mais de 20 empregados precisarão ter uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) - exigência normalmente válida apenas para firmas com mais de 50 funcionários. Os dois setores serão os alvos principais da fiscalização. As diretrizes básicas sobre saúde e segurança do trabalhador constam de um decreto que deve ser publicado no fim de abril no Diário Oficial da União.

Em 2009, houve 740.657 acidentes em todo o país, que resultaram em 13 mil inválidos e quase 2.500 mortos. Isso significa que, a cada dia, 43 trabalhadores, em média, não retornam ao trabalho devido a invalidez ou morte. Somente na construção civil, o número absoluto de mortos, que era de 319 em 2007, passou para 384 em 2008 e chegou a 395 em 2009. O número de ocorrências com invalidez em acidentes de trabalho, que em 2007 foi de 755, atingiu 1.232 em 2009. Ainda não há dados consolidados de 2010.

Elaborado por uma comissão tripartite (governo, empresários e empregados), o decreto determina adoção de medidas como uma maior integração entre os serviços prestados pelos ministérios da Saúde e da Previdência - com foco na reabilitação e inserção no mercado de trabalhadores considerados incapacitados (são 60 mil por ano) - e a unificação do banco de dados do governo federal.

Concessão de benefícios saltou 103% em 4 anos

Levantamento inédito da Previdência - sem considerar as pensões por morte, apenas as concessões de benefícios (auxílio-doença) resultantes de acidentes de trabalho - mostra que o número de ocorrências subiu nos últimos anos. Em 2006, foram concedidos 99.490 benefícios motivados por fatores externos (lesão, fratura). Em 2010, eles chegaram a 202.740, uma alta de 103,8% em quatro anos. Os números são muito altos, destacou Remigio Todeschini, diretor do Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional do ministério.

Segundo cálculos da Previdência, com base nas ocorrências de 2009, o país gasta por ano com acidentes de trabalho R$56,8 bilhões - com despesas de internação e consulta do SUS, por exemplo -, sendo R$14,2 bilhões só com a Previdência.

- Todo esse dinheiro é jogado no ralo - afirmou Todeschini.

O governo pretende cobrar das empresas, quando ficar comprovado que elas tiveram culpa nos acidentes. Falhas na manutenção de máquinas ou o não fornecimento de equipamento de segurança, por exemplo, são agravantes. Mas, para isso, é preciso melhorar a fiscalização e adotar medidas para identificar melhor os acidentes de trabalho. Para o diretor da Nova Central Sindical, Luiz Antonio Festino, membro da comissão tripartite, além da falta de fiscais do trabalho, os existentes não têm formação específica nos vários setores da economia.

Dados precisam ser aperfeiçoados, diz especialista

Para o diretor de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Emerson Casali, a medida não terá grande impacto na redução dos acidentes, pois ele vê a falta de informação e de conscientização como maior problema:

- O governo sempre foi omisso - afirma Casali.

Francisco Pedra, professor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), afirma que há graves problemas nas estatísticas de acidentes de trabalho no país, o que é mais um sinal de que a situação da segurança do trabalhador do país é ruim e tem piorado ao longo dos anos:

- A piora nas relações do trabalho é constante e se agravou desde o governo neoliberal. Hoje, os dados de mortes e acidentes, por exemplo, abrangem apenas os empregados com carteira de trabalho assinada, não incluem os servidores, militares, cooperados e os informais, como o enorme contingente de motoboys que morrem pelo país.

Para tentar melhorar essa situação, ele conta que a Fiocruz está organizando um encontro, que ocorrerá em julho, para discutir as estatísticas de mortes e acidentes de trabalho com diversos órgãos, inclusive governos. Ele lembra que há mortes que não são notificadas, como as que não ocorrem de maneira fulminante, e sim depois de algum tempo no hospital. Além disso, ele lembra que é necessário alterar a cultura do enfrentamento desse tema:

- Vi a programação de um congresso de peritos do INSS onde um dos temas era algo semelhante a "como descobrir simulações de trabalhadores". Há tabelas fixas de prazo para um trabalhador com determinada lesão voltar ao trabalho, o que não é razoável. Vimos, há poucos dias, dois engenheiros presos por tentarem descaracterizar uma cena de acidente de trabalho. E isso no centro de São Paulo, a maior cidade do país.

Perna perdida se torna dedo para a empresa

Walber José Lopes, operador de martelete, perdeu parte da perna esquerda num acidente no canteiro da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, em Porto Velho, Rondônia, há pouco mais de um ano. Sua perna foi puxada pela esteira da perfuratriz, máquina usada para abrir fendas onde serão encaixadas as bananas de dinamite das escavações da usina - palco de uma revolta de trabalhadores na semana passada.

- Fiquei dez meses afastado, fui operado duas vezes e na minha CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) a empresa informou que perdi somente um dedo mindinho - conta Lopes, que usa prótese, paga pela usina, e já voltou ao trabalho.

(*) Enviada especial a Porto Velho

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