07/02/2011 - 08h34
Fonte: O Popular 06/02/2011
Quarta-feira. O corredor está lotado. Vanusa escuta chamar seu nome, entra na sala e se posta, de pé, diante de um homem que não veste branco. Com olhos fixos nos papéis sobre a mesa, ele ouve as palavras aflitas da mulher, que se queixa de uma dor na coluna. A dispensa, 33 segundos depois de recebê-la ali. Vanusa sai pela porta, que permaneceu assim, aberta, enquanto ela se "consultava" com um dos médicos de plantão aquele dia no pronto-socorro do Centro de Assistência Integral à Saúde (Cais) do Jardim Curitiba, na Região Noroeste de Goiânia, uma das mais pobres da cidade. Voltou para casa sem diagnóstico e sem indicação de tratamento.
Na última semana, o POPULAR frequentou, anonimamente, os corredores de algumas das unidades de pronto-atendimento de Goiânia. Esteve em seis, das 13 destinadas a prestar assistência integral aos usuários do Sistema Único de Saúde. Ouviu relatos de pacientes, como Vanusa, e testemunhou o atendimento muitas vezes deficiente dispensado aos doentes. Durante a visita às unidades, a reportagem cronometrou o tempo reservado pelos médicos da urgência aos pacientes. A consulta mais longa, entre 20 cronometradas pela reportagem, durou 5 minutos e 40 segundos. Outras seis demoraram menos de dois minutos. O recorde foi experimentado pela dona de casa Vanusa Souza Cunha, de 35 anos.
Moradora do Bairro da Vitória, setor vizinho ao do Cais do Jardim Curitiba, Vanusa relata que, antes de buscar atendimento na unidade, tentara uma consulta numa unidade do Programa de Saúde da Família (PSF) perto da sua casa. "A única médica que atende lá estava de férias e não havia ninguém. Então me encaminharam para o Cais", conta. Na quarta-feira da semana passada, Vanusa esperou por cerca de uma hora, para ser recebida num dos consultórios do pronto-socorro, quando o paciente que a antecedeu na sala disse que ela era a doente da vez. Vanusa entrou na sala. A porta atrás dela permaneceu aberta. Os demais doentes e funcionários, do lado de fora, ouviram a conversa entre médico e paciente. Vanusa sequer se sentou. Permaneceu por 33 segundos na presença do profissional. Tempo suficiente para que ele dissesse à dona de casa que ela deveria procurar uma unidade do PSF, agendar uma consulta e um exame de raio x da coluna. "Eu já tinha ido ao PSF e sabia que não teria meu problema resolvido lá. Mas o médico não quis nem saber. Nem olhou na minha cara", lembra. "Continuo sem saber o que tenho e o que devo fazer para que me livre da dor", afirmou a dona de casa, no dia seguinte, ao ser procurada pelo POPULAR.
No Jardim Curitiba, médico "desaparece"
A tarde estava agitada no pronto-socorro do Jardim Curitiba no dia em que a reportagem do POPULAR esteve lá. Escutava-se no corredor, entre os funcionários, que um dos médicos do plantão havia simplesmente "sumido" duas horas antes. Em determinado instante, o outro plantonista também deixou o consultório, o que acabou lotando, rapidamente, a antessala do pronto-socorro. Houve pressão, sobretudo das pessoas que acompanhavam doentes em busca de atendimento no Cais, para que o atendimento fosse retomado.
Em seguida, corre-corre de funcionários responsáveis pela classificação de risco (pré-atendimento que define a gravidade dos casos apresentados para estabelecimento da fila de espera).
"A gente vem em busca de ajuda, mas falta morrer na fila, esperando", esbravejava a acompanhante de uma jovem que passava mal com sintomas de dengue. Uma das gestoras da unidade foi acionada pelos funcionários da triagem para que tentasse solucionar o problema.
Momentos mais tarde, o médico "sumido" e o companheiro dele de plantão retornaram aos consultórios para uma sessão de consultas-relâmpago. "Quando um médico deixa o plantão, por qualquer motivo, o outro costuma sair também porque não quer ficar e atender aos pacientes sozinho", comenta com a reportagem um funcionário da unidade. Diante da porta aberta à sua frente e o entra-e-sai frenético de pacientes nos consultórios, um dos guardas responsáveis pela segurança no Cais revela: "A gente se sente muito constrangido com essa situação."
Se o paciente está com dor, a urgência é a dor. Diagnóstico para dor de coluna deve ser dado no AMBULATÓRIO e não na URGÊNCIA.
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