SOBRE LEÕES E CORDEIROS

Certa vez um cirurgião renomado realizava uma cirurgia em público e sua pinça delicada quebrou na hora mais complicada. Sem perder tempo e sem alternativa, pediu uma muito mais grosseira. Antes que começasse a segurar o tecido foi interrompido por um expectante indignado com a atitude do colega e repreendeu em alta voz: “Um instrumento tão grosseiro jamais deveria ser utilizado para manipular uma estrutura tão delicada”. A platéia ficou emudecida. O cirurgião continuou como se não tivesse ouvido nada. Ao fim da sutura complexa falou em baixo tom: “A leoa segura seus filhotinhos com mandíbulas que arrancariam sua cabeça com uma única dentada”. A platéia aplaudiu de pé. A força depende da dextreza e maestria de quem a utiliza.

Muitas vezes somos tomados pela aparência e nos deixamos impressionar por nossos próprios preconceitos. Somos traídos por nossas experiências anteriores. É difícil. Não dá para  conceber a idéia de que um leão possa ser cordeiro algumas vezes. Não conseguimos imaginar a utilização de uma força tão bruta para realizar coisas delicadas. Não conseguimos conceber a idéia de que pessoas que vivem para denunciar, cobrar, criticar e se indignar consigam se comportar calmamente no momento em que for preciso fazê-lo e sê-lo! Por isso preferimos os cordeiros. Sim aquelas criaturinhas branquinhas fofinhas, calmas e pacíficas. Não denunciam, não tomam partidos, não enfrentam opositores, não exigem e, o melhor, não incomodam ninguém. Falam baixinho. Ah! Os cordeiros são muito mais simpáticos. Mas será que estamos certos? É que infelizmente um leão poderá ser cordeiro por ocasião, mas um cordeiro nunca poderá ser leão.

Heltron Xavier