O dia começa com o SISREF (sistema de registro de frequência). Aí o perito liga o SABI (sistema de gerenciamento de benefícios), ferramenta de seu trabalho que é produzir laudos fundamentados. Para começar a atender, aciona o SGA (sistema de gerenciamento de atendimento). O SGA informa quantos segurados aguardam perícia e o ministro vê em tempo real. O perito aciona a tecla de chamar segurado e, segundos depois, a tela fica vermelha e piscando "INICIAR PERÍCIA", ainda que o examinado ainda não tenha chegado à sala de perícias. Bombardeado por essa advertência, o perito clica o cronômetro para iniciar perícia e alterna a tela para o SABI.
Diante do segurado, dividindo a atenção do perito, estão o SABI e o SGA, além dos SISREF. O SABI é o mais temperamental, exige alimentação constante e rapidez. Dedique-se ao segurado, ouça-o e examine-o que o SABI se impacienta e cai. Tudo bem, você pode começar de novo e pode até ir salvando para não recomeçar do zero... Lembre-se do SISREF, fala seu subconsciente enquanto o consciente escreve o seu laudo. Se o horário de almoço chegar, você não pode esquecer de bater o ponto. Ao voltar do almoço, então, se esquecer tá ferrado. Para isso, muitos lançam mão de outro sistema, o despertador do celular.
Você tem que ser rápido, manter o SABI vivo, um olho na tela, outro no segurado e a cabeça ocupada com os controles aos quais se submete. Humanizar foi a orientação ministerial, não se esqueça. Ah, quando acabar a perícia, não se esqueça de voltar ao SGA e registrar para o ciclo reiniciar.
Esses são os procedimentos padrão, em um dia padrão, sem que o sistema esteja lento, sem que um ou mais segurados se exalte. Quando algo não funciona, o que não é raro, o perito precisa improvisar e fazer seus exames no paralelo e, depois, dar um jeito de inserir no sistema.
Quem pensa que o stress da perícia é o segurado não conhece os mecanismos de pressão por tempos e movimentos, o fordismo aplicado à linha de produção do INSS. É praticamente impossível ao perito dar atenção ao examinado, ler seus laudos, examiná-lo detidamente, consultar a internet (aliás, bloqueada para mim e muitos) e, serenamente, tomar uma decisão justa e fundamentada. Lembre-se ainda que seu salário é variável e que depende do andamento de suas perícias. Seja mais rápido, não importa se decidindo certo ou errado, é a mensagem subliminar, e garanta melhores salários!
É esse modelo gerencial que adoece os peritos, gera revoltas, conflitos, impaciência, essa greve de protesto. O problema, senhor presidente Lula, não é estritamente o salário. Ganhamos mal, mas médicos ganham mal mesmo e sabemos disso e não deveríamos reclamar, não é isso? Ganhar metade de um auditor fiscal é normal, não é isso? O que não aceitamos é sermos obrigados a trabalhar mal, nos aviltarmos profissionalmente nos submetendo a tantos controles que interferem no exercício de nossa nobre missão e, com isso, prejudicando quem é a razão de ser da previdência social, seus segurados compulsórios.
5 comentários:
Seria muito interessante que essas manifestações chegassem ao congresso nacional e a presidencia da republica
Excelente texto Eduardo Henrique. Descreve muito bem a agonia do atendimento DE UM SEGURADO. UMA PERÍCIA. Imagine-se então como é fazer isso, repetidamente,por 24 vezes ao dia que é o número mágico ao qual os gestores médicos se apegam. Mal dá para escrever o que seria um "arremedo de laudo". E, claro, a responsabilidade administrativa, ética, civil e criminal em relação ao que for escrito é DO PERITO. Não é do SGA, nem do SABI, nem do SISREF, nem do Ministro...
Retifico: gestores NÃO MÉDICOS SE APEGAM E COBRAM O NÚMERO DE 24 PERÍCAS.
"fordismo aplicado à linha de produção do INSS...".
Uma perícia contratada e controlada pela própria seguradora. O sonho de consumo de qualquer seguradora privada.
Detalhe, a tecla do NTEP positivo sempre dá coceira nos dedos, aumentando o lucro estatal, não raro, injustamente.
Fantastico...Como voce conseguiu descrever o nosso inconsciente...
Soberbo...
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